O i entrevistou o primeiro jogador português a ser treinado pelos
finalistas da Liga dos Campeões
Só há três jogadores portugueses que conhecem José Mourinho e Louis van
Gaal de fio a pavio. E o i foi ter com Dani, o primeiro a sentir
as alegrias, decepções e lamúrias de cada um deles. Com Van Gaal no
Ajax, entre 1996 e 2000, e com Mourinho no Benfica, em 2000. Seguiram-se
Vítor Baía (Barcelona e FC Porto) e Luís Figo (Barcelona e Inter) mas
aí já Dani sabia de cor e salteado o ABC do português e do holandês,
hoje os treinadores finalistas da Liga dos Campeões, entre Inter e
Bayern, em Madrid, a última cidade que viu Dani jogar futebol, em 2003
(Atlético Madrid).
Van Gaal e Mourinho na final. Quem diria?!
É curioso, de facto. Há toda uma convivência conjunta que apresenta
esta final da Champions como extraordinária. Claro que um português na
final dá outro élan ao jogo mas o facto de esse português ter sido
adjunto daquele que será o seu adversário é revelador da ligação entre
eles. Mourinho aprofundou o estudo em relações humanas com Bobby Robson e
também tirou partido da metodologia de treinos com Van Gaal. Quando
cheguei ao Benfica, ao mesmo tempo que Mourinho, o qual assumia pela
primeira vez uma equipa principal, deu para perceber que os treinos eram
parecidos com os meus no Ajax, com Van Gaal. Também por isso, eu e
Mourinho entendemo-nos de olhos fechados.
São, então,
incomparáveis?
Os jogadores de hoje evoluíram em relação aos
de há dez, 15 anos [Dani conheceu Van Gaal há 14 anos, e Mourinho há
dez] e são uma voz presente no dia-a-dia do clube, com evidência nos
treinos. Os treinadores também evoluíram e têm de dar atenção às
opiniões dos jogadores. Agora, com Van Gaal, a tradição ainda é o que
era, o que diminui a relação jogador-treinador. Ele é um estudioso,
sobretudo em relação aos adversários, que ele estuda minuciosamente, e
um perfeccionista, mas deixa a sua equipa um pouco a precisar de ser
trabalhada, no sentido de que a sua visão está acima de qualquer outra
coisa. Ora, com Mourinho há uma ligação maior entre jogador e treinador.
Ele ouve sempre o que os jogadores têm a dizer. Às vezes, concorda.
Outras vezes, não. Como tudo na vida. Mas pede sempre a opinião aos
jogadores e depois de pensar sobre o assunto diz o que tem a dizer. Não é
ele sozinho que decide o jogo, a táctica, a técnica. Ele deixa os
jogadores falarem, o que permite uma ligação directa entre ambas as
partes em qualquer situação. O Mourinho é mais humano e mais moderno.
Com ele, a porta esta sempre aberta à opinião de um jogador.
Isso
explica-se?
Não vamos mais longe. No último fim-
-de-semana, o Inter sagrou-se campeão italiano em Siena. Você viu o
jogo?
Sim, vi.
Foi fabuloso. Com o Siena, eles
fazem o golo e depois estão em cima deles ainda uns bons 20 minutos, a
trocar a bola e a criar perigo. Foi o Eto'o, o Milito, o Pandev e até o
Zanetti. E dessa vez do Zanetti, o Eto'o fez logo o lugar do Zanetti.
Recuou instintivamente. Ora, isso só acontece quando o treinador tem uma
relação muito humana com os jogadores, que dão tudo o que têm ao
treinador. Não é por acaso que Mourinho triunfou em todas as equipas
onde trabalhou. O Van Gaal é mais distante. Saiu um pouco do panorama
internacional, com aquela qualificação falhada para o Mundial-2002 pela
selecção holandesa [no grupo com Portugal e Rep. Irlanda, os apurados
para Japão/Coreia do Sul] mas reentrou pela porta da glória a treinar o
AZ Alkmaar, onde foi campeão holandês. Um fenómeno, sem dúvida. Se a
isto juntarmos o facto de ele, Van Gaal, ter trabalhado a estrutura do
AZ para um futuro com títulos mais frequentes e não um em cada 50 anos,
ao introduzir jogadores de categoria internacional como Kluivert para
treinar as camadas mais jovens, então podemos concluir que estamos
perante um homem importantíssimo para o futebol. E ele já fizera isso
para o Ajax, que agora vive dessa estrutura com antigas glórias a
treinarem miúdos, que olham para um Bergkamp, um Ronald de Boer, um Roy
com admiração e respeito.
Portanto, há um click mais
imediato?
Sim, sem dúvida. Com um pequeno gesto, Mourinho
põe toda a equipa a defender, como em Barcelona, durante meia hora ou
mais. Depois, vemos Eto'o a médio--esquerdo ou a dobrar o lateral. Os
jogadores não fazem isto se não tiverem um treinador que mostre o lado
mais humano possível. No Bayern, o Robben perde a bola para um defesa e
ninguém o vê preocupado em recuperá-la. Ele deve pensar: "Deixa lá os
defesas fazerem isso e eu depois começo aqui a fintar outra vez. E está
feito o meu trabalhinho." Com Mourinho, isso é impensável.
Mourinho
é latino, Van Gaal é do Norte da Europa. É uma justificação credível
para esta diferença de ideias e expressão?
Pode ser. Somos
mais efusivos do que os holandeses e eles são mais contidos que nós. Mas
o Mourinho sabe tirar partido de tudo isso. É capaz de estar em black
out durante não sei quanto tempo e quando fala, fala, sem pré-aviso. O
timing dele é sempre o ideal, nunca lhe escapa um detalhe que seja. O
Van Gaal só tem uma parte desta característica de comunicação. Ele só
fala uma vez por semana, com X palavras e não sei quantos acentos. E
há-de ser sempre assim, quer ele esteja na maior ou a a ser
ensanduichado pela imprensa. Hoje em dia, como está o mundo do futebol, a
posição do Mourinho em tentar explorar toda a envolvência de um clube,
de um jogo ou de um jogador é a ideal. Ele só fala quando acha
necessário. Ele é que força as circunstâncias. É uma forma inteligente
de estar no futebol. O Bayern, por exemplo, tem aquela rigidez de haver
uma conferência de imprensa no dia X, a tal hora, e ninguém mexe nisso.
Nem quando há problemas, como já houve esta época, entre Van Gaal e
Ribéry, durante um treino. Aí, foi o assessor de imprensa quem interveio
com um comunicado. O regulamento do Inter também existe, também tem
essas regras mas o Mourinho é que gere o balneário e a saída de
notícias.
Chegou ao Ajax com 18 anos. Van Gaal foi um pai
para si?
Pai, não. Na altura, até precisava mais de um pai
do que de um treinador mas o Van Gaal foi um treinador. Competente e
atencioso, acrescento. Falava muito comigo mas não chegamos a
compreender-nos completamente. Enquanto o Mourinho foi logo à primeira,
mais afável, como se o conhecesse há muitos anos. O Van Gaal é aquela
pessoa que está ali à nossa frente, austera, que nos sufoca. Mas também
tem o outro lado, o de defender os jogadores durante uma crise. Na
Holanda, saiu na imprensa cor-de-rosa que eu tinha uma discoteca em
casa, que era só festas até altas horas da noite, que os vizinhos não
conseguiam dormir. O "Telegraaf", jornal com maior tiragem na Holanda,
apareceu-me a porta de casa no dia seguinte a essa notícia, antes de eu
ir para o treino. Eu, que lia pouco da imprensa cor-de-rosa e pouco de
holandês porque tinha acabado de chegar de Lisboa, fiquei a olhar para
aquilo. Quase que os deixei entrar em casa mas tinha de ir para o
treino. Expliquei a situação ao Van Gaal, perguntei-lhe se era preciso
alguma coisa e ele disse-me: "Não, não e não, não tens de explicar nada.
Nós vamos escrever um comunicado a dizer a verdade, que os teus níveis
de treino são perfeitos e que não há razões sequer para suspeitar que
andas em festas e noitadas com esses registo físicos." Saiu
imediatamente em minha defesa.
E o lado mau do Van Gaal. Os
berros?
Ui, sim, comigo berrava, mas também berrava aos
irmãos De Boer, ao Witschge, aos mais velhos. Berrava com toda a gente. A
diferença é que eles respondiam, porque estavam com ele há seis ou sete
anos, e eu ficava calado. Eu era miúdo e estava a aprender.
Imagino
o cenário. Se o Van Gaal normal já é o que é...
Agora
imagine num dia de treino com menos dez graus, a chover imenso e ele com
um gorro naquela cabeça enorme. E, às vezes, a mensagem não passava
mesmo por falta de alguma sensibilidade no discurso. Lá está, o Mourinho
tem um olhar diferente e todos o percebem de imediato. A comunicação é
muito importante e o Mourinho é um mestre nesse aspecto. Ele falava
connosco, coisas extrafutebol, e havia uma connection. Nesse aspecto, o
Van Gaal não consegue chegar a tanto.
O Mourinho que o Dani
conheceu no Benfica. Ficou célebre aquela reunião individual com os
jogadores. Consigo, a mensagem era "revolta-te Dani", não era?
Sim, sim. No sentido de voltar a ser uma estrela de futebol. Eu entrei
na sala e ele mostrou-me o meu currículo, com clubes, número de jogos e
golos. Ninguém falou. Eu tinha evoluído no Ajax mas depois entrei numa
curva descendente, sobretudo a partir do quarto ano. Olhámos um para o
outro e eu percebi tudo. Se fosse outro treinador, estaria ali meia hora
a dizer "bla bla bla bla bla, já fizeste aquilo, falhaste isto, aquele
golo era teu, etc., etc". Com o Mourinho foi o tal click momentâneo.
Mas não esteve muito tempo com Mourinho no Benfica?
Eu
ainda saí antes dele, porque fui posto de parte pelo presidente.
O Vale e Azevedo?
Não, esse contratou-me. Quem me
dispensou foi o Manuel Vilarinho.
E porquê?
Esse é
um assunto já mais que enterrado. Houve divergências que não foram
ultrapassadas e tive muita pena de não continuar a trabalhar no Benfica e
com o Mourinho, porque agora vejo o currículo dele e dá que pensar. Mas
pronto, foi o que foi.
Mas lembro-me de um almoço do
Benfica, combinado pelos jogadores, que contou com a presença surpresa
do Dani.
Sim, era um almoço mensal, entre jogadores. O desse
mês foi antecipado uma semana ou duas e eu, que já fora proibido pelo
presidente de treinar no clube, fui convidado pelo Mourinho a fazer
parte desse almoço. Serviu para demonstrar que estávamos unidos.
Independentemente da situação individual, o importante é o grupo.
Enquanto não assinei a rescisão e fui para o Atlético Madrid, o Mourinho
esteve sempre comigo, a falar ao telefone, embora eu tivesse de me
afastar do clube para a minha tal situação não afectar o grupo.
Algum
indício da estratégia de Mourinho sem ser nos treinos ou nos jogos?
Sim, houve aquela situação do Calado e do Melão. A imprensa cor-de-rosa
inventou uma coisa surreal de homossexualidade. Surreal, mesmo. Ainda
por cima conhecia os dois. Estudei na escola com o Melão e jogava com o
Calado há anos nas selecções mais jovens. A forma como se deu pouca
importância ao assunto. Houve uma conferência de imprensa para pôr tudo
em pratos limpos e já está. Foi o Mourinho que delineou a estratégia de
grupo e aconselhou o Calado a abstrair-se dos ignorantes.
O
Mourinho, sabe-se e vê-se no You Tube, joga à bola nos treinos. E o Van
Gaal?
Nã, nã. O Van Gaal não tem muito jeito. Há até uma
história que todos os jogadores estrangeiros ouviam quando chegavam ao
Ajax para perceber que o Van Gaal, aquela figura de líder que nunca se
engana, já errou. Nos anos 70, no auge do Ajax, o Van Gaal era o capitão
do AZ Alkmaar. Na palestra de um jogo com o Ajax, capitaneado pelo
Cruijff, o treinador do AZ disse de sua justiça e, antes de entrar em
campo, o Van Gaal virou-se para os seus companheiros e disse-lhes que
não, que daquela vez não ia ser como o treinador dizia porque estava
farto de perder com o Ajax. Então Van Gaal sugeriu marcação individual a
todo o campo, com ele a marcar o Cruijff. Foi uma abada histórica, 12-1
ou 11-1. Sei que foram números impensáveis. E o Cruijff marcou quatro
ou cinco. A malta contava-nos isso para os mais novos e inexperientes
relaxarem e não tremerem sempre que erravam um passe ou um cruzamento.
Voltando ao início, o Van Gaal não tem muito jeito para a bola e só nos
fica a ver. O Mourinho é mais interventivo. Explica--nos passo a passo
cada exercício e até participa neles.
finalistas da Liga dos Campeões
Só há três jogadores portugueses que conhecem José Mourinho e Louis van
Gaal de fio a pavio. E o i foi ter com Dani, o primeiro a sentir
as alegrias, decepções e lamúrias de cada um deles. Com Van Gaal no
Ajax, entre 1996 e 2000, e com Mourinho no Benfica, em 2000. Seguiram-se
Vítor Baía (Barcelona e FC Porto) e Luís Figo (Barcelona e Inter) mas
aí já Dani sabia de cor e salteado o ABC do português e do holandês,
hoje os treinadores finalistas da Liga dos Campeões, entre Inter e
Bayern, em Madrid, a última cidade que viu Dani jogar futebol, em 2003
(Atlético Madrid).
Van Gaal e Mourinho na final. Quem diria?!
É curioso, de facto. Há toda uma convivência conjunta que apresenta
esta final da Champions como extraordinária. Claro que um português na
final dá outro élan ao jogo mas o facto de esse português ter sido
adjunto daquele que será o seu adversário é revelador da ligação entre
eles. Mourinho aprofundou o estudo em relações humanas com Bobby Robson e
também tirou partido da metodologia de treinos com Van Gaal. Quando
cheguei ao Benfica, ao mesmo tempo que Mourinho, o qual assumia pela
primeira vez uma equipa principal, deu para perceber que os treinos eram
parecidos com os meus no Ajax, com Van Gaal. Também por isso, eu e
Mourinho entendemo-nos de olhos fechados.
São, então,
incomparáveis?
Os jogadores de hoje evoluíram em relação aos
de há dez, 15 anos [Dani conheceu Van Gaal há 14 anos, e Mourinho há
dez] e são uma voz presente no dia-a-dia do clube, com evidência nos
treinos. Os treinadores também evoluíram e têm de dar atenção às
opiniões dos jogadores. Agora, com Van Gaal, a tradição ainda é o que
era, o que diminui a relação jogador-treinador. Ele é um estudioso,
sobretudo em relação aos adversários, que ele estuda minuciosamente, e
um perfeccionista, mas deixa a sua equipa um pouco a precisar de ser
trabalhada, no sentido de que a sua visão está acima de qualquer outra
coisa. Ora, com Mourinho há uma ligação maior entre jogador e treinador.
Ele ouve sempre o que os jogadores têm a dizer. Às vezes, concorda.
Outras vezes, não. Como tudo na vida. Mas pede sempre a opinião aos
jogadores e depois de pensar sobre o assunto diz o que tem a dizer. Não é
ele sozinho que decide o jogo, a táctica, a técnica. Ele deixa os
jogadores falarem, o que permite uma ligação directa entre ambas as
partes em qualquer situação. O Mourinho é mais humano e mais moderno.
Com ele, a porta esta sempre aberta à opinião de um jogador.
Isso
explica-se?
Não vamos mais longe. No último fim-
-de-semana, o Inter sagrou-se campeão italiano em Siena. Você viu o
jogo?
Sim, vi.
Foi fabuloso. Com o Siena, eles
fazem o golo e depois estão em cima deles ainda uns bons 20 minutos, a
trocar a bola e a criar perigo. Foi o Eto'o, o Milito, o Pandev e até o
Zanetti. E dessa vez do Zanetti, o Eto'o fez logo o lugar do Zanetti.
Recuou instintivamente. Ora, isso só acontece quando o treinador tem uma
relação muito humana com os jogadores, que dão tudo o que têm ao
treinador. Não é por acaso que Mourinho triunfou em todas as equipas
onde trabalhou. O Van Gaal é mais distante. Saiu um pouco do panorama
internacional, com aquela qualificação falhada para o Mundial-2002 pela
selecção holandesa [no grupo com Portugal e Rep. Irlanda, os apurados
para Japão/Coreia do Sul] mas reentrou pela porta da glória a treinar o
AZ Alkmaar, onde foi campeão holandês. Um fenómeno, sem dúvida. Se a
isto juntarmos o facto de ele, Van Gaal, ter trabalhado a estrutura do
AZ para um futuro com títulos mais frequentes e não um em cada 50 anos,
ao introduzir jogadores de categoria internacional como Kluivert para
treinar as camadas mais jovens, então podemos concluir que estamos
perante um homem importantíssimo para o futebol. E ele já fizera isso
para o Ajax, que agora vive dessa estrutura com antigas glórias a
treinarem miúdos, que olham para um Bergkamp, um Ronald de Boer, um Roy
com admiração e respeito.
Portanto, há um click mais
imediato?
Sim, sem dúvida. Com um pequeno gesto, Mourinho
põe toda a equipa a defender, como em Barcelona, durante meia hora ou
mais. Depois, vemos Eto'o a médio--esquerdo ou a dobrar o lateral. Os
jogadores não fazem isto se não tiverem um treinador que mostre o lado
mais humano possível. No Bayern, o Robben perde a bola para um defesa e
ninguém o vê preocupado em recuperá-la. Ele deve pensar: "Deixa lá os
defesas fazerem isso e eu depois começo aqui a fintar outra vez. E está
feito o meu trabalhinho." Com Mourinho, isso é impensável.
Mourinho
é latino, Van Gaal é do Norte da Europa. É uma justificação credível
para esta diferença de ideias e expressão?
Pode ser. Somos
mais efusivos do que os holandeses e eles são mais contidos que nós. Mas
o Mourinho sabe tirar partido de tudo isso. É capaz de estar em black
out durante não sei quanto tempo e quando fala, fala, sem pré-aviso. O
timing dele é sempre o ideal, nunca lhe escapa um detalhe que seja. O
Van Gaal só tem uma parte desta característica de comunicação. Ele só
fala uma vez por semana, com X palavras e não sei quantos acentos. E
há-de ser sempre assim, quer ele esteja na maior ou a a ser
ensanduichado pela imprensa. Hoje em dia, como está o mundo do futebol, a
posição do Mourinho em tentar explorar toda a envolvência de um clube,
de um jogo ou de um jogador é a ideal. Ele só fala quando acha
necessário. Ele é que força as circunstâncias. É uma forma inteligente
de estar no futebol. O Bayern, por exemplo, tem aquela rigidez de haver
uma conferência de imprensa no dia X, a tal hora, e ninguém mexe nisso.
Nem quando há problemas, como já houve esta época, entre Van Gaal e
Ribéry, durante um treino. Aí, foi o assessor de imprensa quem interveio
com um comunicado. O regulamento do Inter também existe, também tem
essas regras mas o Mourinho é que gere o balneário e a saída de
notícias.
Chegou ao Ajax com 18 anos. Van Gaal foi um pai
para si?
Pai, não. Na altura, até precisava mais de um pai
do que de um treinador mas o Van Gaal foi um treinador. Competente e
atencioso, acrescento. Falava muito comigo mas não chegamos a
compreender-nos completamente. Enquanto o Mourinho foi logo à primeira,
mais afável, como se o conhecesse há muitos anos. O Van Gaal é aquela
pessoa que está ali à nossa frente, austera, que nos sufoca. Mas também
tem o outro lado, o de defender os jogadores durante uma crise. Na
Holanda, saiu na imprensa cor-de-rosa que eu tinha uma discoteca em
casa, que era só festas até altas horas da noite, que os vizinhos não
conseguiam dormir. O "Telegraaf", jornal com maior tiragem na Holanda,
apareceu-me a porta de casa no dia seguinte a essa notícia, antes de eu
ir para o treino. Eu, que lia pouco da imprensa cor-de-rosa e pouco de
holandês porque tinha acabado de chegar de Lisboa, fiquei a olhar para
aquilo. Quase que os deixei entrar em casa mas tinha de ir para o
treino. Expliquei a situação ao Van Gaal, perguntei-lhe se era preciso
alguma coisa e ele disse-me: "Não, não e não, não tens de explicar nada.
Nós vamos escrever um comunicado a dizer a verdade, que os teus níveis
de treino são perfeitos e que não há razões sequer para suspeitar que
andas em festas e noitadas com esses registo físicos." Saiu
imediatamente em minha defesa.
E o lado mau do Van Gaal. Os
berros?
Ui, sim, comigo berrava, mas também berrava aos
irmãos De Boer, ao Witschge, aos mais velhos. Berrava com toda a gente. A
diferença é que eles respondiam, porque estavam com ele há seis ou sete
anos, e eu ficava calado. Eu era miúdo e estava a aprender.
Imagino
o cenário. Se o Van Gaal normal já é o que é...
Agora
imagine num dia de treino com menos dez graus, a chover imenso e ele com
um gorro naquela cabeça enorme. E, às vezes, a mensagem não passava
mesmo por falta de alguma sensibilidade no discurso. Lá está, o Mourinho
tem um olhar diferente e todos o percebem de imediato. A comunicação é
muito importante e o Mourinho é um mestre nesse aspecto. Ele falava
connosco, coisas extrafutebol, e havia uma connection. Nesse aspecto, o
Van Gaal não consegue chegar a tanto.
O Mourinho que o Dani
conheceu no Benfica. Ficou célebre aquela reunião individual com os
jogadores. Consigo, a mensagem era "revolta-te Dani", não era?
Sim, sim. No sentido de voltar a ser uma estrela de futebol. Eu entrei
na sala e ele mostrou-me o meu currículo, com clubes, número de jogos e
golos. Ninguém falou. Eu tinha evoluído no Ajax mas depois entrei numa
curva descendente, sobretudo a partir do quarto ano. Olhámos um para o
outro e eu percebi tudo. Se fosse outro treinador, estaria ali meia hora
a dizer "bla bla bla bla bla, já fizeste aquilo, falhaste isto, aquele
golo era teu, etc., etc". Com o Mourinho foi o tal click momentâneo.
Mas não esteve muito tempo com Mourinho no Benfica?
Eu
ainda saí antes dele, porque fui posto de parte pelo presidente.
O Vale e Azevedo?
Não, esse contratou-me. Quem me
dispensou foi o Manuel Vilarinho.
E porquê?
Esse é
um assunto já mais que enterrado. Houve divergências que não foram
ultrapassadas e tive muita pena de não continuar a trabalhar no Benfica e
com o Mourinho, porque agora vejo o currículo dele e dá que pensar. Mas
pronto, foi o que foi.
Mas lembro-me de um almoço do
Benfica, combinado pelos jogadores, que contou com a presença surpresa
do Dani.
Sim, era um almoço mensal, entre jogadores. O desse
mês foi antecipado uma semana ou duas e eu, que já fora proibido pelo
presidente de treinar no clube, fui convidado pelo Mourinho a fazer
parte desse almoço. Serviu para demonstrar que estávamos unidos.
Independentemente da situação individual, o importante é o grupo.
Enquanto não assinei a rescisão e fui para o Atlético Madrid, o Mourinho
esteve sempre comigo, a falar ao telefone, embora eu tivesse de me
afastar do clube para a minha tal situação não afectar o grupo.
Algum
indício da estratégia de Mourinho sem ser nos treinos ou nos jogos?
Sim, houve aquela situação do Calado e do Melão. A imprensa cor-de-rosa
inventou uma coisa surreal de homossexualidade. Surreal, mesmo. Ainda
por cima conhecia os dois. Estudei na escola com o Melão e jogava com o
Calado há anos nas selecções mais jovens. A forma como se deu pouca
importância ao assunto. Houve uma conferência de imprensa para pôr tudo
em pratos limpos e já está. Foi o Mourinho que delineou a estratégia de
grupo e aconselhou o Calado a abstrair-se dos ignorantes.
O
Mourinho, sabe-se e vê-se no You Tube, joga à bola nos treinos. E o Van
Gaal?
Nã, nã. O Van Gaal não tem muito jeito. Há até uma
história que todos os jogadores estrangeiros ouviam quando chegavam ao
Ajax para perceber que o Van Gaal, aquela figura de líder que nunca se
engana, já errou. Nos anos 70, no auge do Ajax, o Van Gaal era o capitão
do AZ Alkmaar. Na palestra de um jogo com o Ajax, capitaneado pelo
Cruijff, o treinador do AZ disse de sua justiça e, antes de entrar em
campo, o Van Gaal virou-se para os seus companheiros e disse-lhes que
não, que daquela vez não ia ser como o treinador dizia porque estava
farto de perder com o Ajax. Então Van Gaal sugeriu marcação individual a
todo o campo, com ele a marcar o Cruijff. Foi uma abada histórica, 12-1
ou 11-1. Sei que foram números impensáveis. E o Cruijff marcou quatro
ou cinco. A malta contava-nos isso para os mais novos e inexperientes
relaxarem e não tremerem sempre que erravam um passe ou um cruzamento.
Voltando ao início, o Van Gaal não tem muito jeito para a bola e só nos
fica a ver. O Mourinho é mais interventivo. Explica--nos passo a passo
cada exercício e até participa neles.