O i inscreveu um jornalista num
concurso para encontrar um jogador para o Trofense, uma espécie de
"Ídolos" do futebol. Não ganhou, mas até foi longe. E voltou para contar
a história.......................................... ....
120 candidatos foram à Trofa prestar provas em busca do sonho de um contrato profissional
Pedro chega ao campo de Paradela à hora marcada. Olha à sua volta e vê
dezenas de jogadores que, como ele, vieram para tentar convencer o
Trofense a contratá-los. Não tem aspecto de futebolista nem parece
confiante. Antes de seguir para o balneário, pergunta ao pai: "Achas que
passo da primeira fase?" A resposta é imediata: "Claro que sim." Mas no
primeiro treino da manhã torna-se evidente que Pedro não vai longe.
Falta-lhe quase tudo e até a forma como aquece o denuncia. Cá fora, o
pai observa - conformado - o esforço do filho. Meia hora depois, quando o
treino acaba, limita-se a dizer: "Deixa lá, fica para a próxima." E
juntos vão embora.
Era este o desfecho que esperava a maioria dos 120 jogadores que
viajaram segunda-feira até à Trofa, na semana do Natal, em busca de um
sonho. Mas nem todos ficam convencidos com a decisão. Quando chega a
minha vez de calçar as chuteiras, ainda no balneário, ouço o desabafo de
mais um dispensado. Não o conheço, mas é para mim que fala. "Bah, estes
gajos não percebem nada disto! Vê lá, só me deram 15 minutos. Se dessem
outros 15 iam ver." Encolho os ombros e sigo para o relvado. Depressa
surge um obstáculo, assim que o "mister" José Carlos (antigo lateral
direito de Benfica e V. Guimarães) começa a distribuir os coletes,
verdes e vermelhos - duas das cores mais fatais para um daltónico como
eu. E seguem onze jogadores para cada lado, num jogo disputado apenas em
metade do campo.
É difícil dar nas vistas com tantos jogadores num espaço tão pequeno.
Muitos acabam mesmo por se destacar pelos piores motivos. Há os
pseudo-Ronaldos (que tentam passar por tudo e todos mas que na verdade
só se fintam a si mesmos), os pseudo-Xavis (que dominam a arte do passe
tão bem quanto um elefante faz ballet) e os azarados (como o rapaz que
chocou de cabeça comigo e passou mais de um minuto caído no relvado).
Mas também há bons exemplos. Sandro Conceição tem 22 anos, é central na
minha equipa e joga com classe. Minutos depois, ambos recebemos a boa
notícia: estamos entre os seleccionados para a fase seguinte, o treino
da tarde. Enquanto alongamos, chegamos à conclusão de que nos
defrontámos enquanto ele jogava no Sporting. "Por acaso a tua cara não
me era estranha", diz Sandro, que ainda passou pelas camadas jovens do
Belenenses e do Estoril e pelos seniores do Atlético do Cacém.
Entretanto mudou-se para o Porto e anda a ver se arranja clube pelo
Norte. A passagem pela Academia de Alcochete é um bom cartão de visita,
mas não garante nada.
O primeiro treino foi curto e não fez muita mossa. Serviu para limpar a
ferrugem acumulada no corpo ao longo dos últimos quatro anos. E abriu o
apetite. Uma vez escolhidos os 35 jogadores que seguem em frente, os
dirigentes do Trofense levam-nos a almoçar, no centro comercial da
cidade. À mesa, a conversa gira sempre em torno do mesmo assunto:
futebol. "Então e tu, onde é que jogas?" "Já não jogas? Mas por onde
passaste?" "Vieste de Lisboa de propósito?" As perguntas vêm também na
minha direcção. Respondo a meia-verdade, sem abrir demasiado o jogo.
Joguei sete épocas no Real Massamá e não posso dizer que sou jornalista.
De estômago cheio, voltamos ao centro de treinos do Trofense - isolado
entre as árvores num monte junto à cidade - para o desafio seguinte.
Desta vez somos divididos por três equipas de onze. Todas se defrontam
em jogos de 30 minutos. Agora, sim, começa a ver-se quem pode ir longe.
Na minha equipa, além do Sandro, estão mais dois jogadores que passaram
pelo viveiro do Sporting: João Abreu e Ito. Ambos com 23 anos e sem
clube, fizeram longas viagens (o primeiro de Lisboa, o segundo do
Algarve) para chegar ali. Porque o sonho de ser jogador profissional
ainda não morreu.
Ainda assim, a Academia Betclic atraiu acima de tudo muitos jovens da
Região Norte do país. Um deles foi o franzino Nélson Ferreira, de 21
anos. A velocidade é a sua grande arma, que usa para impressionar a
equipa de treinadores do Sindicato. Numa altura em que o cansaço começa a
ser evidente, é dos jogadores que conseguem fazer a diferença. No
entanto, não chegou para evitar as duas derrotas por 1-0 da minha
equipa. "Tínhamos a melhor equipa", diz João Napoleão, o ponta-de-lança
que até já tentou a sorte em Espanha, a caminho do balneário. "Como é
possível perdermos os dois jogos?" Ninguém respondeu, porque não havia
explicação. Talvez tenha sido o cansaço ou talvez não fôssemos mesmo a
melhor equipa. Mesmo assim, dou os parabéns ao Nélson pela prestação.
Sorri e conta-me que fez toda a formação no Merelinense. Quando subiu
aos seniores o clube só queria pagar-lhe 100 euros por mês. "Preferi ir
trabalhar para ajudar os meus pais."
Depois do banho, o grupo de jogadores volta a reunir-se cá fora, à
espera de nova decisão. Entretanto, o telefone de Nélson toca. Alguém
quer saber se já há notícias. "Não, ainda estamos à espera", responde. A
ansiedade é visível na cara de muitos. E aumenta quando os treinadores
aparecem para anunciar a decisão: dos 35 candidatos passam 23. O nome de
Nélson Ferreira faz parte da lista. O meu também. É hora de descansar,
porque as pernas já nem sabem como andam e o dia seguinte vai ser ainda
mais duro.
O DIA D, DE DISPENSADO Não esperava seguir em frente. A exigência é cada
vez maior e há vários jogadores com potencial neste grupo. Além disso,
terça-feira marca a entrada em cena dos jogadores do Sindicato, os
profissionais que estão desempregados. São 15 e vêm à procura do mesmo:
um contrato que lhes devolva a estabilidade que perderam. O treino da
manhã é ligeiro, sempre com muita bola. Depois repete-se a rotina do
almoço no centro comercial. Mas desta vez há uma corrida à banca de
jornais. Todos querem ver se aparecem e o que foi escrito. Às tantas
apontam para mim e dizem: "Já viste? Também estás aqui, em três fotos.
Brutal!" Simulo um ar orgulhoso e afasto-me.
Quando começa o quarto treino da semana - o segundo do dia - as pernas
parecem não querer responder. Além da luta contra o cansaço, surge outro
desafio: jogar a defesa esquerdo e a central, posições às quais não
estou habituado. O esforço não se traduz numa prestação impressionante e
é sem surpresa que fico a saber que o meu nome não faz parte da lista
de seleccionados para o último dia. O prémio de consolação é uma unha
negra. E umas dores no corpo que ainda não desapareceram.
concurso para encontrar um jogador para o Trofense, uma espécie de
"Ídolos" do futebol. Não ganhou, mas até foi longe. E voltou para contar
a história.......................................... ....
120 candidatos foram à Trofa prestar provas em busca do sonho de um contrato profissional
Pedro chega ao campo de Paradela à hora marcada. Olha à sua volta e vê
dezenas de jogadores que, como ele, vieram para tentar convencer o
Trofense a contratá-los. Não tem aspecto de futebolista nem parece
confiante. Antes de seguir para o balneário, pergunta ao pai: "Achas que
passo da primeira fase?" A resposta é imediata: "Claro que sim." Mas no
primeiro treino da manhã torna-se evidente que Pedro não vai longe.
Falta-lhe quase tudo e até a forma como aquece o denuncia. Cá fora, o
pai observa - conformado - o esforço do filho. Meia hora depois, quando o
treino acaba, limita-se a dizer: "Deixa lá, fica para a próxima." E
juntos vão embora.
Era este o desfecho que esperava a maioria dos 120 jogadores que
viajaram segunda-feira até à Trofa, na semana do Natal, em busca de um
sonho. Mas nem todos ficam convencidos com a decisão. Quando chega a
minha vez de calçar as chuteiras, ainda no balneário, ouço o desabafo de
mais um dispensado. Não o conheço, mas é para mim que fala. "Bah, estes
gajos não percebem nada disto! Vê lá, só me deram 15 minutos. Se dessem
outros 15 iam ver." Encolho os ombros e sigo para o relvado. Depressa
surge um obstáculo, assim que o "mister" José Carlos (antigo lateral
direito de Benfica e V. Guimarães) começa a distribuir os coletes,
verdes e vermelhos - duas das cores mais fatais para um daltónico como
eu. E seguem onze jogadores para cada lado, num jogo disputado apenas em
metade do campo.
É difícil dar nas vistas com tantos jogadores num espaço tão pequeno.
Muitos acabam mesmo por se destacar pelos piores motivos. Há os
pseudo-Ronaldos (que tentam passar por tudo e todos mas que na verdade
só se fintam a si mesmos), os pseudo-Xavis (que dominam a arte do passe
tão bem quanto um elefante faz ballet) e os azarados (como o rapaz que
chocou de cabeça comigo e passou mais de um minuto caído no relvado).
Mas também há bons exemplos. Sandro Conceição tem 22 anos, é central na
minha equipa e joga com classe. Minutos depois, ambos recebemos a boa
notícia: estamos entre os seleccionados para a fase seguinte, o treino
da tarde. Enquanto alongamos, chegamos à conclusão de que nos
defrontámos enquanto ele jogava no Sporting. "Por acaso a tua cara não
me era estranha", diz Sandro, que ainda passou pelas camadas jovens do
Belenenses e do Estoril e pelos seniores do Atlético do Cacém.
Entretanto mudou-se para o Porto e anda a ver se arranja clube pelo
Norte. A passagem pela Academia de Alcochete é um bom cartão de visita,
mas não garante nada.
O primeiro treino foi curto e não fez muita mossa. Serviu para limpar a
ferrugem acumulada no corpo ao longo dos últimos quatro anos. E abriu o
apetite. Uma vez escolhidos os 35 jogadores que seguem em frente, os
dirigentes do Trofense levam-nos a almoçar, no centro comercial da
cidade. À mesa, a conversa gira sempre em torno do mesmo assunto:
futebol. "Então e tu, onde é que jogas?" "Já não jogas? Mas por onde
passaste?" "Vieste de Lisboa de propósito?" As perguntas vêm também na
minha direcção. Respondo a meia-verdade, sem abrir demasiado o jogo.
Joguei sete épocas no Real Massamá e não posso dizer que sou jornalista.
De estômago cheio, voltamos ao centro de treinos do Trofense - isolado
entre as árvores num monte junto à cidade - para o desafio seguinte.
Desta vez somos divididos por três equipas de onze. Todas se defrontam
em jogos de 30 minutos. Agora, sim, começa a ver-se quem pode ir longe.
Na minha equipa, além do Sandro, estão mais dois jogadores que passaram
pelo viveiro do Sporting: João Abreu e Ito. Ambos com 23 anos e sem
clube, fizeram longas viagens (o primeiro de Lisboa, o segundo do
Algarve) para chegar ali. Porque o sonho de ser jogador profissional
ainda não morreu.
Ainda assim, a Academia Betclic atraiu acima de tudo muitos jovens da
Região Norte do país. Um deles foi o franzino Nélson Ferreira, de 21
anos. A velocidade é a sua grande arma, que usa para impressionar a
equipa de treinadores do Sindicato. Numa altura em que o cansaço começa a
ser evidente, é dos jogadores que conseguem fazer a diferença. No
entanto, não chegou para evitar as duas derrotas por 1-0 da minha
equipa. "Tínhamos a melhor equipa", diz João Napoleão, o ponta-de-lança
que até já tentou a sorte em Espanha, a caminho do balneário. "Como é
possível perdermos os dois jogos?" Ninguém respondeu, porque não havia
explicação. Talvez tenha sido o cansaço ou talvez não fôssemos mesmo a
melhor equipa. Mesmo assim, dou os parabéns ao Nélson pela prestação.
Sorri e conta-me que fez toda a formação no Merelinense. Quando subiu
aos seniores o clube só queria pagar-lhe 100 euros por mês. "Preferi ir
trabalhar para ajudar os meus pais."
Depois do banho, o grupo de jogadores volta a reunir-se cá fora, à
espera de nova decisão. Entretanto, o telefone de Nélson toca. Alguém
quer saber se já há notícias. "Não, ainda estamos à espera", responde. A
ansiedade é visível na cara de muitos. E aumenta quando os treinadores
aparecem para anunciar a decisão: dos 35 candidatos passam 23. O nome de
Nélson Ferreira faz parte da lista. O meu também. É hora de descansar,
porque as pernas já nem sabem como andam e o dia seguinte vai ser ainda
mais duro.
O DIA D, DE DISPENSADO Não esperava seguir em frente. A exigência é cada
vez maior e há vários jogadores com potencial neste grupo. Além disso,
terça-feira marca a entrada em cena dos jogadores do Sindicato, os
profissionais que estão desempregados. São 15 e vêm à procura do mesmo:
um contrato que lhes devolva a estabilidade que perderam. O treino da
manhã é ligeiro, sempre com muita bola. Depois repete-se a rotina do
almoço no centro comercial. Mas desta vez há uma corrida à banca de
jornais. Todos querem ver se aparecem e o que foi escrito. Às tantas
apontam para mim e dizem: "Já viste? Também estás aqui, em três fotos.
Brutal!" Simulo um ar orgulhoso e afasto-me.
Quando começa o quarto treino da semana - o segundo do dia - as pernas
parecem não querer responder. Além da luta contra o cansaço, surge outro
desafio: jogar a defesa esquerdo e a central, posições às quais não
estou habituado. O esforço não se traduz numa prestação impressionante e
é sem surpresa que fico a saber que o meu nome não faz parte da lista
de seleccionados para o último dia. O prémio de consolação é uma unha
negra. E umas dores no corpo que ainda não desapareceram.