Belém: Reunião de cinco horas para análise da crise económica
Num
dos mais longos Conselhos de Estado da presidência de Cavaco Silva para
discutir os desafios do futuro do País e o actual quadro parlamentar, o
sinal foi claro: O "espírito de compromisso e diálogo" deve imperar na
Assembleia da República.
Uma única frase de
conclusões selou o encontro mais importante na actual situação
política, marcada pela polémica da Lei das Finanças Regionais que hoje
vai a votos. " O Conselho de Estado, reunido hoje, faz votos de que
predomine na Assembleia da República o espírito de compromisso e
diálogo paciente e frutuoso que permita ao País enfrentar os desafios
estruturais que tem à sua frente", declarou António Macedo Almeida,
secretário do órgão consultivo do Presidente da República (composto por
19 personalidades).
Esta posição revela a
preocupação dos conselheiros de Estado quanto, por um lado, à
estabilidade política, e por outro, à situação económica do País.
No
dia em que o tema mais delicado foi a revisão da Lei das Finanças
Regionais, o presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João
Jardim, saiu do Conselho de Estado com a expressão fechada e a desejar
apenas "bom Carnaval para todos". E repetiu por duas vezes.
Já
o primeiro-ministro, José Sócrates, sobre o qual têm surgido
especulações de demissão, considerou que a reunião "correu bem".
O
Conselho de Estado, ao qual só faltou o ex-Presidente da República
Jorge Sampaio, durou cerca de cinco horas, tendo como pano de fundo os
alertas internacionais sobre o estado das contas públicas, nomeadamente
o endividamento e o défice. Mal acabou o Conselho de Estado, a direcção
da bancada socialista reuniu com o ministro dos Assuntos Parlamentares,
Jorge Lacão, para concertar a estratégia sobre a votação da Lei de
Finanças Regionais, sendo que os socialistas consideram que os valores
de transferência e limite de endividamento são muito elevados.
SAIBA MAIS
CINCO COMPETÊNCIAS
Pronunciar-se
sobre a dissolução da Assembleia da República é a primeira das cinco
competências do Conselho de Estado fixadas no Artigo 145.º da
Constituição.
1982
foi o ano da criação do Conselho de Estado no âmbito da revisão constitucional que extinguiu o Conselho da Revolução.
MAIOR IMUNIDADE
O
Conselho de Estado dá maior imunidade do que a usufruída pelos
deputados. Esta última é obrigatoriamente levantada se acusação
envolver crime com pena superior a 3 anos de prisão.
MADEIRA É A 2.ª REGIÃO MAIS RICA
A
alteração à Lei das Finanças Regionais enviaria um sinal de despesismo
aos mercados internacionais e provocaria gastos adicionais. Esta é a
posição de vários economistas portugueses que não poupam críticas à
transferência de mais verbas para a Região da Madeira.
"Não
existe qualquer razão para que a segunda região mais rica de Portugal
seja financiada sem haver uma simetria no esforço de desenvolvimento do
País", afirmou António Nogueira Leite. E Murteira Nabo sublinha: "Não
me parece muito bom apoiar um aumento de envio de recursos para a
Madeira que já está com níveis muito altos em termos de PIB per
capita". Como é possível verificar na infografia, o PIB per capita na
Madeira é 127% da média nacional. Já nos Açores, o PIB per capita é
inferior à média nacional (100%): 88,6%. Com um número de habitantes
idêntico, a Madeira tem uma dívida pública cinco vezes superior à dos
Açores.
PSD RETIRA PROPOSTA E APROVA INICIATIVAS DO CDS
O
PSD retirou a proposta de extinguir o empréstimo do Estado à Madeira e
vai aprovar as iniciativas do CDS-PP para reduzir o limite do
endividamento e fasear a transferência de verbas, anunciou ontem o
social-democrata Guilherme Silva.
O deputado
eleito pela Madeira justificou esta posição com "uma compreensão da
situação das dificuldades financeiras do Estado". E, apesar de
Guilherme Silva afirmar desconhecer o que é que "o PS e o Governo
querem", o líder parlamentar socialista, Francisco Assis, referiu ontem
que a solução para as finanças regionais é não haver alteração à lei.
MINISTRO PODE ESTAR DE SAÍDA
A
estratégia de demissão do primeiro-ministro é encarada pelo PS com
algum sentimento de confusão, apurou o CM. Há quem garanta que a
intenção é real e quem aponte que estará em causa a saída do ministro
das Finanças, Teixeira dos Santos. Em todo o caso, as Finanças
Regionais ensombraram o Conselho de Estado. Hoje, serão votadas as
alterações à lei na Comissão de Orçamento e Finanças no Parlamento. Um
teste decisivo para se perceber se a crise política está iminente.
APONTAMENTOS
LADO A LADO
O
primeiro-ministro, José Sócrates, e o presidente do Governo Regional da
Madeira, Alberto João Jardim, sentaram-se do mesmo lado da mesa – à
esquerda de Cavaco Silva –, ficando apenas separados pelo provedor de
Justiça.
CANOTILHO
O
primeiro a chegar à reunião do Conselho de Estado foi o
constitucionalista Gomes Canotilho, que se fez acompanhar do comentador
Marcelo Rebelo de Sousa. Mário Soares chegou ao encontro ao mesmo tempo
do que Francisco Pinto Balsemão.
AUSENTE
Jorge
Sampaio, alto--representante da Aliança das Civilizações, foi o único
membro do Conselho de Estado que esteve ausente na reunião de ontem,
por motivos de agenda que o obrigaram a deslocar-se ao estrangeiro.
NOTA EDITORIAL
Portugal
está sob a atenta vigilância dos mercados internacionais.A má fama do
descontrolo das contas públicas difundida pelas agências de rating
aliada à preocupante derrapagem grega aumentam a pressão. Ontem, bastou
um simples comentário de um comissário europeu para os juros da dívida
portuguesa dispararem. E quando aumenta o prémio de risco do País toda
a economia paga de forma muito cara. Os bancos privados já perderam nos
últimos dias centenas de milhões em Bolsa, porque são eles as primeiras
vítimas da falta de credibilidade do País. A iniciativa do Presidente
de convocar o Conselho de Estado, que pediu compromissos e diálogo
frutuoso, num quadro político sem maiorias parlamentares, foi
importante, ao exigir sentido de responsabilidade a todos os
intervenientes. Uma crise política artificial sairia muito cara ao País.