Sokota sempre gostou de carros e de velocidade. Quando veio para
Portugal trouxe da Croácia um Audi A3 todo artilhado, de escape rouco e
vidros escuros, que o identificava à distância. Quando estava de saída
do Benfica comprou um Ferrari em que ia para os treinos da equipa B -
onde corria ao lado dos miúdos dos FIAT Punto ou que nem carta tinham -
depois de Luís Filipe Vieira o afastar do plantel por não aceitar a
proposta de renovação do contrato. "O Ferrari? Isso eram coisas
minhas...", diz, meio-envergonhado. Agora, entre os jogos com o Lokeren,
na Bélgica, anda de kart com o filho de sete anos.
Boa
tarde, Sokota.
Boa tarde. Quem fala?
Filipe Santos, do
jornal i. Tínhamos combinado a entrevista há duas semanas. Entretanto
você teve o telemóvel sempre desligado...
Pois foi, perdi-o nas
corridas. Fui aos karts e não sei o que lhe aconteceu.
Agora
dedica-se às corridas?
Não é nada sério, vou para me divertir. O
meu filho é que está a começar.
E como é que corre a vida na
Bélgica?
Mais ou menos. Agora estou a jogar e a marcar golos, fiz
dois nas últimas semanas. Perdemos o último jogo 4-1...
Mais
ou menos?
Estava habituado a jogar para ganhar, mas agora estou
num clube que luta para não descer de divisão. Estamos em penúltimo.
Tenho 17 títulos na carreira e agora jogo para não descer...
Como
é que foi parar à Bélgica?
Estava no Dínamo de Zagreb, tinha
assinado um bom contrato, mas entretanto o presidente achou que não me
devia pagar e começou a tentar pôr-me fora do clube. Lá chegámos a um
acordo de rescisão. Depois já não foi fácil encontrar uma equipa de
topo. Isto não é como em Portugal, mas cá estamos.
É verdade
que recebeu ameaças de morte?
Quando ainda estava na Croácia,
sim. Um dia a polícia chamou-me. Não sei como souberam de umas mensagens
estranhas que alguém andava a enviar--me. Também nunca soube quem foi,
mas é fácil desconfiar. Percebi que aquilo era tudo para me obrigar a
sair do clube. Pensava que ia acabar a carreira por lá.
Em
Portugal nunca lhe aconteceu nada disso. Não tem saudades?
Muitas!
E a minha mulher ainda mais! Está sempre a dizer-me que temos de voltar
para Lisboa, mas agora é complicado estar sempre a mudar por causa da
escola do meu filho mais velho. Mas os amigos, o Sol, a comida...
Preferia
Lisboa ao Porto?
Bem, no Benfica joguei mais, tenho mais
memórias boas de Lisboa e do Benfica. No FC Porto estive sempre
lesionado.
Mesmo assim não saiu bem do Benfica.
Eu
queria renovar o contrato. Não cheguei a acordo com o presidente [Luís
Filipe Vieira], não me senti valorizado com o que ele me estava a
oferecer. Mas ir treinar para a equipa B? Foi um choque para mim, não é
forma de tratar as pessoas. Ainda fiz a pré-temporada com Trapattoni,
mas depois fui afastado. Trapattoni não me disse nada, nem podia.
Cumpriu instruções. E eu lá fui...
E foi de Ferrari.
[risos]
O Ferrari? Isso eram coisas minhas...
Já tinha assinado pelo
FC Porto nessa altura? O que se dizia era que tinha comprado o Ferrari
com dinheiro do novo contrato com o FC Porto.
Não. Aliás, por
lei, nessa altura não podia assinar porque ainda estava ligado ao
Benfica. Essa história de que comprei o Ferrari com dinheiro do FC Porto
é mentira. Mais: esperei até ao fim da época por um acordo com o
Benfica. Antes de aparecer a proposta do FC Porto ainda tive duas
ofertas de Inglaterra.
No primeiro jogo no Benfica marcou um
golo [Salgueiros], mas sete jornadas depois estava lesionado. As lesões
hipotecaram-lhe a carreira?
Nunca vou esquecer o dia em que
cheguei. Fiquei estupefacto com tudo. Os problemas começaram logo
depois. Ninguém sabia o que se passava, nem como ajudar. A lesão foi
evoluindo pouco a pouco, fui infiltrado muitas vezes para não ter
dores... Houve alturas em que deveria ter parado, mas era preciso
jogar... Tinha uma inflamação e o tendão de Aquiles separou-se do osso
pela metade. Depois aconteceu o mesmo no FC Porto. Tinha um problema
ósseo que hoje, com recurso ao lazer, se resolve em dois meses.
A
sua melhor época no Benfica foi com Camacho: 11 golos.
Mais
quatro na Taça!
Quem foi o seu melhor treinador?
O
Camacho! Ganhámos uma Taça de Portugal contra o FC Porto do José
Mourinho. A equipa tinha um estilo de jogo que me favorecia muito. A
bola seguia, o defesa fazia jogo directo para mim e eu colocava num
extremo. Futebol simples e com atitude.
Assumia o trabalho
duro e depois dizia que o Nuno Gomes fazia os "remates gay". Ele nunca
levou a mal?
[Gargalhada] O Nuno! Grande jogador, sempre gostei
muito dele, é bom ter ao lado alguém que sabe jogar futebol e ele sabe
tudo, tabelas, movimentações... Nunca levou nada a mal, aquilo era uma
brincadeira de amigos. É uma boa pessoa e por isso ganhou muito na vida.
Foi
treinado duas vezes por Jesualdo Ferreira e ainda não falou dele.
Mas
devo muito ao professor! Foi ele que me levou para o Benfica depois de
assistir a um jogo meu pela selecção sub-21 da Croácia. O Jesualdo é
muito culto no futebol, Camacho é mais um treinador de garra, por tudo
aquilo que viveu no Real Madrid. Mas o FC Porto está mesmo fora da luta
pelo título? Meu Deus! Não é costume.
É uma evidência, e o
futuro de Jesualdo Ferreira parece estar em causa.
Sofreram
aquela goleada na Liga dos Campeões! Também vi o Sporting-FC Porto, meu
Deus...
Você que viu Pinto da Costa reconstruir uma equipa, em
2005/06, com Co Adriaanse e depois com Jesualdo Ferrari, diga lá como
vai ser agora.
Ah... o FC Porto é um clube muito diferente de
todos os outros que conheci. A palavra-chave é "organização". No Benfica
é tudo mais aberto, toda a gente fala e aparece. No FC Porto nunca se
sabe de nada fora do clube. Quando chega um jogador, percebe logo qual é
a sintonia. Fui para o FC Porto porque sabia que lá era mais provável
ganhar. Depois confirmei que há uma ideia de trabalho, a tal sintonia.
Qualquer
um pode ganhar no FC Porto?
Jesualdo Ferreira foi campeão três
vezes no FC Porto e nunca o conseguiu no Benfica. Para se entrar no
sistema do FC Porto só é preciso ter qualidade e querer trabalhar. E
isso não vai acabar de um momento para o outro.
Quem o
impressionou no FC Porto?
O melhor jogador? O melhor jogador que
encontrei em Portugal estava no Benfica e chamava-se Simão. No FC Porto
impressionaram-me menos os craques. Tinha mais admiração por figuras
como Vítor Baía e Jorge Costa - tinham aquela vontade de ganhar e eram
pessoas com carácter.
Jorge Costa, "o bicho".
O Jorge
Costa é um brincalhão que gosta de estar bem com as pessoas. O "bicho"
era o jogador que estava em campo.
Agora FC Porto e Benfica
jogam a final da Taça da Liga. Têm passado a época às cabeçadas fora do
relvado mas dentro do campo quem vai ser melhor?
Finais nunca se
sabe! O Benfica do Camacho não ganhou a final da Taça ao FC Porto do
Mourinho? Nestas alturas, estar por cima não quer dizer nada.
No
seu tempo também havia confusões nos túneis como tem havido por cá?
Isso
é tudo normal. Nos clubes aproveitam todas as situações para tentar
ganhar qualquer tipo de vantagem. É assim em todo lado e os adeptos
entusiasmam-se.
No meu tempo nunca aconteceu nada de especial. À
parte isso, lembro-me de uma vez ir jogar ao Porto e partirem o
autocarro todo à pedrada. Mas isso acontece e olhe que na Croácia é dez
vezes pior, o mais normal é os adeptos entrarem num parque de
estacionamento no dia de treino e partirem os carros todos aos
jogadores.
Tem 32 anos. Vai jogar até quando?
Enquanto
puder andar. Já perdi muito tempo com lesões. Agora estou de novo a
sentir-me bem, a marcar golos, quero aproveitar tudo.
E um
regresso a Portugal?
Se alguém me chamasse, ia já amanhã, mesmo
para um clube mais pequeno - desde que tivesse um projecto bom para
lutar por alguma coisa. É que isto de estar a lutar para não descer...
não estou nada habituado.
Portugal trouxe da Croácia um Audi A3 todo artilhado, de escape rouco e
vidros escuros, que o identificava à distância. Quando estava de saída
do Benfica comprou um Ferrari em que ia para os treinos da equipa B -
onde corria ao lado dos miúdos dos FIAT Punto ou que nem carta tinham -
depois de Luís Filipe Vieira o afastar do plantel por não aceitar a
proposta de renovação do contrato. "O Ferrari? Isso eram coisas
minhas...", diz, meio-envergonhado. Agora, entre os jogos com o Lokeren,
na Bélgica, anda de kart com o filho de sete anos.
Boa
tarde, Sokota.
Boa tarde. Quem fala?
Filipe Santos, do
jornal i. Tínhamos combinado a entrevista há duas semanas. Entretanto
você teve o telemóvel sempre desligado...
Pois foi, perdi-o nas
corridas. Fui aos karts e não sei o que lhe aconteceu.
Agora
dedica-se às corridas?
Não é nada sério, vou para me divertir. O
meu filho é que está a começar.
E como é que corre a vida na
Bélgica?
Mais ou menos. Agora estou a jogar e a marcar golos, fiz
dois nas últimas semanas. Perdemos o último jogo 4-1...
Mais
ou menos?
Estava habituado a jogar para ganhar, mas agora estou
num clube que luta para não descer de divisão. Estamos em penúltimo.
Tenho 17 títulos na carreira e agora jogo para não descer...
Como
é que foi parar à Bélgica?
Estava no Dínamo de Zagreb, tinha
assinado um bom contrato, mas entretanto o presidente achou que não me
devia pagar e começou a tentar pôr-me fora do clube. Lá chegámos a um
acordo de rescisão. Depois já não foi fácil encontrar uma equipa de
topo. Isto não é como em Portugal, mas cá estamos.
É verdade
que recebeu ameaças de morte?
Quando ainda estava na Croácia,
sim. Um dia a polícia chamou-me. Não sei como souberam de umas mensagens
estranhas que alguém andava a enviar--me. Também nunca soube quem foi,
mas é fácil desconfiar. Percebi que aquilo era tudo para me obrigar a
sair do clube. Pensava que ia acabar a carreira por lá.
Em
Portugal nunca lhe aconteceu nada disso. Não tem saudades?
Muitas!
E a minha mulher ainda mais! Está sempre a dizer-me que temos de voltar
para Lisboa, mas agora é complicado estar sempre a mudar por causa da
escola do meu filho mais velho. Mas os amigos, o Sol, a comida...
Preferia
Lisboa ao Porto?
Bem, no Benfica joguei mais, tenho mais
memórias boas de Lisboa e do Benfica. No FC Porto estive sempre
lesionado.
Mesmo assim não saiu bem do Benfica.
Eu
queria renovar o contrato. Não cheguei a acordo com o presidente [Luís
Filipe Vieira], não me senti valorizado com o que ele me estava a
oferecer. Mas ir treinar para a equipa B? Foi um choque para mim, não é
forma de tratar as pessoas. Ainda fiz a pré-temporada com Trapattoni,
mas depois fui afastado. Trapattoni não me disse nada, nem podia.
Cumpriu instruções. E eu lá fui...
E foi de Ferrari.
[risos]
O Ferrari? Isso eram coisas minhas...
Já tinha assinado pelo
FC Porto nessa altura? O que se dizia era que tinha comprado o Ferrari
com dinheiro do novo contrato com o FC Porto.
Não. Aliás, por
lei, nessa altura não podia assinar porque ainda estava ligado ao
Benfica. Essa história de que comprei o Ferrari com dinheiro do FC Porto
é mentira. Mais: esperei até ao fim da época por um acordo com o
Benfica. Antes de aparecer a proposta do FC Porto ainda tive duas
ofertas de Inglaterra.
No primeiro jogo no Benfica marcou um
golo [Salgueiros], mas sete jornadas depois estava lesionado. As lesões
hipotecaram-lhe a carreira?
Nunca vou esquecer o dia em que
cheguei. Fiquei estupefacto com tudo. Os problemas começaram logo
depois. Ninguém sabia o que se passava, nem como ajudar. A lesão foi
evoluindo pouco a pouco, fui infiltrado muitas vezes para não ter
dores... Houve alturas em que deveria ter parado, mas era preciso
jogar... Tinha uma inflamação e o tendão de Aquiles separou-se do osso
pela metade. Depois aconteceu o mesmo no FC Porto. Tinha um problema
ósseo que hoje, com recurso ao lazer, se resolve em dois meses.
A
sua melhor época no Benfica foi com Camacho: 11 golos.
Mais
quatro na Taça!
Quem foi o seu melhor treinador?
O
Camacho! Ganhámos uma Taça de Portugal contra o FC Porto do José
Mourinho. A equipa tinha um estilo de jogo que me favorecia muito. A
bola seguia, o defesa fazia jogo directo para mim e eu colocava num
extremo. Futebol simples e com atitude.
Assumia o trabalho
duro e depois dizia que o Nuno Gomes fazia os "remates gay". Ele nunca
levou a mal?
[Gargalhada] O Nuno! Grande jogador, sempre gostei
muito dele, é bom ter ao lado alguém que sabe jogar futebol e ele sabe
tudo, tabelas, movimentações... Nunca levou nada a mal, aquilo era uma
brincadeira de amigos. É uma boa pessoa e por isso ganhou muito na vida.
Foi
treinado duas vezes por Jesualdo Ferreira e ainda não falou dele.
Mas
devo muito ao professor! Foi ele que me levou para o Benfica depois de
assistir a um jogo meu pela selecção sub-21 da Croácia. O Jesualdo é
muito culto no futebol, Camacho é mais um treinador de garra, por tudo
aquilo que viveu no Real Madrid. Mas o FC Porto está mesmo fora da luta
pelo título? Meu Deus! Não é costume.
É uma evidência, e o
futuro de Jesualdo Ferreira parece estar em causa.
Sofreram
aquela goleada na Liga dos Campeões! Também vi o Sporting-FC Porto, meu
Deus...
Você que viu Pinto da Costa reconstruir uma equipa, em
2005/06, com Co Adriaanse e depois com Jesualdo Ferrari, diga lá como
vai ser agora.
Ah... o FC Porto é um clube muito diferente de
todos os outros que conheci. A palavra-chave é "organização". No Benfica
é tudo mais aberto, toda a gente fala e aparece. No FC Porto nunca se
sabe de nada fora do clube. Quando chega um jogador, percebe logo qual é
a sintonia. Fui para o FC Porto porque sabia que lá era mais provável
ganhar. Depois confirmei que há uma ideia de trabalho, a tal sintonia.
Qualquer
um pode ganhar no FC Porto?
Jesualdo Ferreira foi campeão três
vezes no FC Porto e nunca o conseguiu no Benfica. Para se entrar no
sistema do FC Porto só é preciso ter qualidade e querer trabalhar. E
isso não vai acabar de um momento para o outro.
Quem o
impressionou no FC Porto?
O melhor jogador? O melhor jogador que
encontrei em Portugal estava no Benfica e chamava-se Simão. No FC Porto
impressionaram-me menos os craques. Tinha mais admiração por figuras
como Vítor Baía e Jorge Costa - tinham aquela vontade de ganhar e eram
pessoas com carácter.
Jorge Costa, "o bicho".
O Jorge
Costa é um brincalhão que gosta de estar bem com as pessoas. O "bicho"
era o jogador que estava em campo.
Agora FC Porto e Benfica
jogam a final da Taça da Liga. Têm passado a época às cabeçadas fora do
relvado mas dentro do campo quem vai ser melhor?
Finais nunca se
sabe! O Benfica do Camacho não ganhou a final da Taça ao FC Porto do
Mourinho? Nestas alturas, estar por cima não quer dizer nada.
No
seu tempo também havia confusões nos túneis como tem havido por cá?
Isso
é tudo normal. Nos clubes aproveitam todas as situações para tentar
ganhar qualquer tipo de vantagem. É assim em todo lado e os adeptos
entusiasmam-se.
No meu tempo nunca aconteceu nada de especial. À
parte isso, lembro-me de uma vez ir jogar ao Porto e partirem o
autocarro todo à pedrada. Mas isso acontece e olhe que na Croácia é dez
vezes pior, o mais normal é os adeptos entrarem num parque de
estacionamento no dia de treino e partirem os carros todos aos
jogadores.
Tem 32 anos. Vai jogar até quando?
Enquanto
puder andar. Já perdi muito tempo com lesões. Agora estou de novo a
sentir-me bem, a marcar golos, quero aproveitar tudo.
E um
regresso a Portugal?
Se alguém me chamasse, ia já amanhã, mesmo
para um clube mais pequeno - desde que tivesse um projecto bom para
lutar por alguma coisa. É que isto de estar a lutar para não descer...
não estou nada habituado.