Há poucas palavras para descrever a violência do terramoto, mesmo
passados 11 dias. É preciso refazer quase tudo. "Eu ainda só saí uma
vez à rua, mas o que vi é indescritível. O trânsito possível é
caótico", contou ontem ao CM António Saroca, 56 anos, chefe da equipa
de logística da missão portuguesa no Haiti, ao serviço da Autoridade
Nacional de Protecção Civil.
"O grau de
destruição é tal que muita gente se encontra sem casa ou condições de
vida, e há dificuldade em fazer circular a ajuda", adianta o comandante
do quadro de honra dos Bombeiros Voluntários do Cadaval, frisando que o
"sentimento de tristeza e de desolação é grande, mas também há muita
vontade de contribuir para, tanto quanto possível, melhorar as
condições precárias em que ficou o Haiti". Os portugueses encontram-se
a actuar numa área onde estão representados Espanha, França, Alemanha,
Qatar, Turquia e EUA, estes "com um verdadeiro exército", e diversas
organizações.
O novo sismo de quarta-feira foi
sentido por todos: "Ainda estávamos deitados, mas sentimos. Ninguém se
magoou, a não ser um jornalista [Vítor Gonçalves] da RTP que estava num
hotel da cidade."
A missão da equipa portuguesa
não se desenrola na rua, mas sim nos hospitais. "Nós não estamos nas
operações de resgate, mas temos andado muito ocupados." Quanto à
segurança na capital haitiana, o chefe da equipa de logística afirma
que saem à rua, "embora haja zonas que são desaconselháveis,
principalmente à noite". "De resto, não temos sentido qualquer
dificuldade", conclui António Saroca.
A Jimani,
na fronteira do Haiti com a República Dominicana, continuam a chegar
cada vez mais feridos. O grupo de quatro estudantes portugueses de
Medicina que ali prestava auxílio aos sobreviventes desde sábado já
regressou à capital dominicana. "Viemos na terça-feira. Ficaram cerca
de cem pessoas da equipa médica e 500 feridos. Foi difícil porque já
tínhamos criado uma relação com os doentes", contou ao CM Marta
Saraiva, que não põe de parte a hipótese de voltar a Jimani.
NORMALIDADE POSSÍVEL
Lojas
e bancos começaram ontem a reabrir em Port-au--Prince, num sinal de
regressoà normalidade possível. O porto da capital haitiana também
reabriu, permitindo a chegada da ajuda humanitária por mar, o que até
agora era impossível.
IMPRENSA FORA DO AEROPORTO
Os
militares norte-americanos que controlam o aeroporto de Port-au-Prince
ordenaram ontem a expulsão dos jornalistas do recinto, sem dar qualquer
explicação. Jornalistas dizem que foi por terem denunciaram
desorganização na ajuda.
VÍTOR GONÇALVES LÚCIDO E COM SENTIDO DE HUMOR
Vítor
Gonçalves chegou ao início da noite de ontem à Florida, EUA, onde irá
fazer exames que permitam aos médicos fazer um diagnóstico com maior
precisão. O jornalista da RTP voou num C17, depois de o avião
norte-americano em que seguia ao início da tarde se ter avariado e
voltado a Port-au-Prince. Apesar do contratempo e do susto com a avaria
do aparelho, Vítor Gonçalves contactou a família e demonstrou estar
"muito lúcido e com bom sentido de humor", contou a irmã, Maria do
Carmo Gonçalves, sublinhando que todos estão esperançados na sua rápida
recuperação. "Por natureza, somos pessoas que não nos deixamos ir
abaixo com as dificuldades. Se Deus quiser, vai correr tudo bem com o
Vítor", acrescentou.
DONATIVOS
OFERTÓRIOS NAS MISSAS
O Cardeal-patriarca
de Lisboa, D. José Policarpo, pediu aospárocos que organizem um
ofertório para o Haiti nas missas dos domingos 24 e 31.
ALGARVE AJUDA
As renúncias quaresmais da diocese do Algarve deste ano serão destinadas a ajudar a Igreja do Haiti.
120 MIL EUROS DOADOS
Os portugueses contribuíram, por transferência bancária, com 120 mil euros para cinco ONG com missões no Haiti.
MILAGRES ENTRE OS ESCOMBROS
PEDIU CORNFLAKES E DESMAIOU
Mendji
Sanon, de 11 anos, passou oito dias sob as ruínas da sua casa.A mãe,
que já perdera um de cincofilhos, não desistiu de a procurar.
Quarta-feira ouviu-a, e com ajuda de vizinhos salvou-a. As primeiras
palavras que disse, antes de desmaiar, foram: "Leite e cornflakes."
PASSOU METADE DA VIDA SEPULTADO
Os
pais já tinham perdido a esperança de a encontrar. A casa onde viviam
caiu e engoliu a bebé Elisabeth Joassaint, com apenas oito dias de
vida. Uma semana depois, contra tudo o que seria lógico supor, foi
encontrada viva. Tem agora 16 dias. Passou metade da vida sob ruínas.
PAIS DESCOBREM FILHA DE 14 ANOS
Tinham
ido buscar bens aos restos de casa. Quarta-feira, dia 20, oito dias
após o sismo, já não procuravam a filha. Mas Stéfani, de 14 anos,
estava viva. De um buraco quase totalmente coberto de destroços, o seu
olhar cruzou-se com o dos pais. Uma equipa espanhola salvou-a.
CASAL DE BEBÉS ESCAPA INCÓLUME
As
enfermeiras do hospital central de Port-au-Prince receberam de braços
abertos uma bebé de 18 meses que resistiu incólume à tragédia que lhe
matou os pais e custou a vida a milhares de pessoas. Foi salva
segunda-feira, um dia depois de Jean--Louis Brahms, de oito meses.
A TERRA VOLTOU A TREMER: MARTA G. ANDRADE, MÉDICA PORTUGUESA NO HAITI
É
a segunda vez desde que aqui estamos. Hoje não sentimos – seria por
estar no carro, evitando o transito caótico da cidade ou mesmo pela
sensação de ansiedade de chegar. Fomos visitar um Hospital que tinha
pedido a nossa ajuda, por estar com falta de pessoal. Ao mesmo tempo em
que atendiam doentes, perguntaram-nos se a equipa não podia começar
hoje mesmo. Só não começou logo a trabalhar porque encontrava-se noutro
hospital.
Os
dias têm sido difíceis, mas mais do que isso, as histórias que nos
chegam e as imagens que vemos. Será exagerado dizer que não sabíamos
para o que vínhamos, mas podemos dizer que nunca se imagina como
reagiríamos nesta situação.
Não
se houve choro ou gritos. Tudo parece voltar à normalidade. “Tem que
voltar”, dizem-nos. Ainda não deram por terminada a fase de busca e
salvamento e há esperança de encontrar sobreviventes até 12 dias dos
desabamentos. Estamos no dia 9.
Depois
disso? Está tudo a acontecer ao mesmo tempo – ter que planear uma
estratégia de recuperação, no meio da emergência não é fácil e por mais
exemplos passados que se tenham, a sensação é que o tempo é sempre
demasiado curto. Agora
o esforço é a todos os níveis e de todos. No entanto, e uma vez mais o
tempo, dirá quem ficará depois dos primeiros tremores.
passados 11 dias. É preciso refazer quase tudo. "Eu ainda só saí uma
vez à rua, mas o que vi é indescritível. O trânsito possível é
caótico", contou ontem ao CM António Saroca, 56 anos, chefe da equipa
de logística da missão portuguesa no Haiti, ao serviço da Autoridade
Nacional de Protecção Civil.
"O grau de
destruição é tal que muita gente se encontra sem casa ou condições de
vida, e há dificuldade em fazer circular a ajuda", adianta o comandante
do quadro de honra dos Bombeiros Voluntários do Cadaval, frisando que o
"sentimento de tristeza e de desolação é grande, mas também há muita
vontade de contribuir para, tanto quanto possível, melhorar as
condições precárias em que ficou o Haiti". Os portugueses encontram-se
a actuar numa área onde estão representados Espanha, França, Alemanha,
Qatar, Turquia e EUA, estes "com um verdadeiro exército", e diversas
organizações.
O novo sismo de quarta-feira foi
sentido por todos: "Ainda estávamos deitados, mas sentimos. Ninguém se
magoou, a não ser um jornalista [Vítor Gonçalves] da RTP que estava num
hotel da cidade."
A missão da equipa portuguesa
não se desenrola na rua, mas sim nos hospitais. "Nós não estamos nas
operações de resgate, mas temos andado muito ocupados." Quanto à
segurança na capital haitiana, o chefe da equipa de logística afirma
que saem à rua, "embora haja zonas que são desaconselháveis,
principalmente à noite". "De resto, não temos sentido qualquer
dificuldade", conclui António Saroca.
A Jimani,
na fronteira do Haiti com a República Dominicana, continuam a chegar
cada vez mais feridos. O grupo de quatro estudantes portugueses de
Medicina que ali prestava auxílio aos sobreviventes desde sábado já
regressou à capital dominicana. "Viemos na terça-feira. Ficaram cerca
de cem pessoas da equipa médica e 500 feridos. Foi difícil porque já
tínhamos criado uma relação com os doentes", contou ao CM Marta
Saraiva, que não põe de parte a hipótese de voltar a Jimani.
NORMALIDADE POSSÍVEL
Lojas
e bancos começaram ontem a reabrir em Port-au--Prince, num sinal de
regressoà normalidade possível. O porto da capital haitiana também
reabriu, permitindo a chegada da ajuda humanitária por mar, o que até
agora era impossível.
IMPRENSA FORA DO AEROPORTO
Os
militares norte-americanos que controlam o aeroporto de Port-au-Prince
ordenaram ontem a expulsão dos jornalistas do recinto, sem dar qualquer
explicação. Jornalistas dizem que foi por terem denunciaram
desorganização na ajuda.
VÍTOR GONÇALVES LÚCIDO E COM SENTIDO DE HUMOR
Vítor
Gonçalves chegou ao início da noite de ontem à Florida, EUA, onde irá
fazer exames que permitam aos médicos fazer um diagnóstico com maior
precisão. O jornalista da RTP voou num C17, depois de o avião
norte-americano em que seguia ao início da tarde se ter avariado e
voltado a Port-au-Prince. Apesar do contratempo e do susto com a avaria
do aparelho, Vítor Gonçalves contactou a família e demonstrou estar
"muito lúcido e com bom sentido de humor", contou a irmã, Maria do
Carmo Gonçalves, sublinhando que todos estão esperançados na sua rápida
recuperação. "Por natureza, somos pessoas que não nos deixamos ir
abaixo com as dificuldades. Se Deus quiser, vai correr tudo bem com o
Vítor", acrescentou.
DONATIVOS
OFERTÓRIOS NAS MISSAS
O Cardeal-patriarca
de Lisboa, D. José Policarpo, pediu aospárocos que organizem um
ofertório para o Haiti nas missas dos domingos 24 e 31.
ALGARVE AJUDA
As renúncias quaresmais da diocese do Algarve deste ano serão destinadas a ajudar a Igreja do Haiti.
120 MIL EUROS DOADOS
Os portugueses contribuíram, por transferência bancária, com 120 mil euros para cinco ONG com missões no Haiti.
MILAGRES ENTRE OS ESCOMBROS
PEDIU CORNFLAKES E DESMAIOU
Mendji
Sanon, de 11 anos, passou oito dias sob as ruínas da sua casa.A mãe,
que já perdera um de cincofilhos, não desistiu de a procurar.
Quarta-feira ouviu-a, e com ajuda de vizinhos salvou-a. As primeiras
palavras que disse, antes de desmaiar, foram: "Leite e cornflakes."
PASSOU METADE DA VIDA SEPULTADO
Os
pais já tinham perdido a esperança de a encontrar. A casa onde viviam
caiu e engoliu a bebé Elisabeth Joassaint, com apenas oito dias de
vida. Uma semana depois, contra tudo o que seria lógico supor, foi
encontrada viva. Tem agora 16 dias. Passou metade da vida sob ruínas.
PAIS DESCOBREM FILHA DE 14 ANOS
Tinham
ido buscar bens aos restos de casa. Quarta-feira, dia 20, oito dias
após o sismo, já não procuravam a filha. Mas Stéfani, de 14 anos,
estava viva. De um buraco quase totalmente coberto de destroços, o seu
olhar cruzou-se com o dos pais. Uma equipa espanhola salvou-a.
CASAL DE BEBÉS ESCAPA INCÓLUME
As
enfermeiras do hospital central de Port-au-Prince receberam de braços
abertos uma bebé de 18 meses que resistiu incólume à tragédia que lhe
matou os pais e custou a vida a milhares de pessoas. Foi salva
segunda-feira, um dia depois de Jean--Louis Brahms, de oito meses.
A TERRA VOLTOU A TREMER: MARTA G. ANDRADE, MÉDICA PORTUGUESA NO HAITI
É
a segunda vez desde que aqui estamos. Hoje não sentimos – seria por
estar no carro, evitando o transito caótico da cidade ou mesmo pela
sensação de ansiedade de chegar. Fomos visitar um Hospital que tinha
pedido a nossa ajuda, por estar com falta de pessoal. Ao mesmo tempo em
que atendiam doentes, perguntaram-nos se a equipa não podia começar
hoje mesmo. Só não começou logo a trabalhar porque encontrava-se noutro
hospital.
Os
dias têm sido difíceis, mas mais do que isso, as histórias que nos
chegam e as imagens que vemos. Será exagerado dizer que não sabíamos
para o que vínhamos, mas podemos dizer que nunca se imagina como
reagiríamos nesta situação.
Não
se houve choro ou gritos. Tudo parece voltar à normalidade. “Tem que
voltar”, dizem-nos. Ainda não deram por terminada a fase de busca e
salvamento e há esperança de encontrar sobreviventes até 12 dias dos
desabamentos. Estamos no dia 9.
Depois
disso? Está tudo a acontecer ao mesmo tempo – ter que planear uma
estratégia de recuperação, no meio da emergência não é fácil e por mais
exemplos passados que se tenham, a sensação é que o tempo é sempre
demasiado curto. Agora
o esforço é a todos os níveis e de todos. No entanto, e uma vez mais o
tempo, dirá quem ficará depois dos primeiros tremores.