Há meses que a
Benfica TV transmite reproduções encenadas das escutas do Apito Dourado
agora divulgadas, sem que o Ministério Público haja processado aquele
canal. A criminalização deste tipo de actos não é consensual entre os
especialistas do Direito.Para
o professor de Direito Penal Paulo Pinto de Albuquerque, é simples a
razão pela qual o Ministério Público não abriu inquérito neste caso
(ver pormenores da reprodução na página seguinte) como noutros contra
os media que publicam escutas que já não estão sob segredo de justiça.
É que, apesar de o Código de Processo Penal (CPP) aprovado em 2007 ter
criminalizado aquele tipo de publicação, o Ministério Público tem
consciência de que "a norma é inconstitucional", justifica o penalista,
considerando que o n.º 4 do artigo 88º do CPP é uma afronta à liberdade
de imprensa, que é protegida pela Constituição. Albuquerque
lembra que, logo que o novo CPP entrou em vigor, o semanário Sol
publicou escutas do processo Portucale, em que o ministro Rui Pereira
discutia com o "centrista" Abel Pinheiro a substituição
ex-procurador-geral da República Souto Moura, e nada aconteceu ao
semanário. A abertura de um inquérito podia levar à fiscalização da
referida norma e à declaração da sua inconstitucionalidade, refere
Albuquerque, admitindo que ela esteja a ser usada apenas como
expediente para conter os órgãos de comunicação.De resto, o
professor da Universidade Católica sublinha que está em causa "aplicar
retroactivamente o segredo de justiça". "A partir do momento em que uma
coisa se torna pública, torna-se pública para toda a gente. O que quer
dizer que os jornalistas, que são veículo da informação, podem
publicá-la", argumenta. Luís de Sousa, académico que investiga
o fenómeno da corrupção, também põe a questão em termos de acesso à
informação, sustentando que se um cidadão pode consultar o processo e
ver as escutas, é difícil de conceber que os jornalistas não possam dar
a conhecê-las a quem não faz aquela consulta. O penalista de
Coimbra Costa Andrade também já escreveu que a referida norma "é
patentemente desproporcionada, não podendo reivindicar-se das
exigências de dignidade penal e de carência de tutela penal". Faria
Costa é da mesma Faculdade de Direito, mas está do outro lado da
barricada, nesta questão, ao defender a total proibição da publicação
de escutas. "Sou um defensor da liberdade de imprensa, mas ela tem que
estar condicionada por outros muros", afirma, privilegiando a protecção
de valores como a privacidade e a intimidade. Paulo Henriques,
docente de Direito, acrescenta mesmo que "há necessidade de criar
procedimentos que assegurem a destruição dos suportes [das escutas],
logo que o interesse que determinou esse recuo da reserva da vida
privada - a investigação criminal - esteja satisfeito". "Não o fazendo,
criamos uma situação de ameaça permanente de ofensas à reserva da vida
privada". "Aquilo que se está a fazer é um julgamento na praça pública.
O que é subverter o Estado de direito", conclui.Investigação na Internet é possível mas ainda muito complicadaEm
termos teóricos, para investigar um eventual crime, a descoberta da
identidade da pessoa que tornou públicas algumas escutas do processo
Apito Dourado ficou mais facilitada desde Outubro do ano passado, na
sequência da entrada em vigor da Lei do Cibercrime. É que, além
de instituir nova legislação com novos crimes, a legislação passou a
prever mecanismos de cooperação internacional que antes não existiam.
Assim, partindo do princípio de que, em crimes praticados na (ou
através da net) não existe competência territorial, as autoridades dos
vários países definem "redes de contacto" instantâneo entre polícias
para actuarem directamente na detecção de endereços de computador (IP),
apreensão de provas e congelamento de dados de tráfego em suportes
informáticos e na Internet. O único problema é que, neste momento, o
regime está em vigor em apenas pouco mais do que 20 países, estando
prevista para breve o alargamento para 46, mediante a adesão a uma
convenção mundial existente desde 2001. Do rol dos países já aderentes
estão os Estados Unidos, onde estão alojados os servidores do sítio
"YouTube". É esta empresa que detém a informação crucial para a
identificação de quem colocou tais escutas na Internet. Mas pode vir a
nunca descobrir-se o autor de tal publicação, se esta tiver sido
efectuada através de um país não aderente à convenção internacional de
combate ao cibercrime. Para já, existe pelo menos uma queixa de Pinto
da Costa e foi determinada a abertura de inquérito pela
Procuradoria-Geral da República.
Benfica TV transmite reproduções encenadas das escutas do Apito Dourado
agora divulgadas, sem que o Ministério Público haja processado aquele
canal. A criminalização deste tipo de actos não é consensual entre os
especialistas do Direito.Para
o professor de Direito Penal Paulo Pinto de Albuquerque, é simples a
razão pela qual o Ministério Público não abriu inquérito neste caso
(ver pormenores da reprodução na página seguinte) como noutros contra
os media que publicam escutas que já não estão sob segredo de justiça.
É que, apesar de o Código de Processo Penal (CPP) aprovado em 2007 ter
criminalizado aquele tipo de publicação, o Ministério Público tem
consciência de que "a norma é inconstitucional", justifica o penalista,
considerando que o n.º 4 do artigo 88º do CPP é uma afronta à liberdade
de imprensa, que é protegida pela Constituição. Albuquerque
lembra que, logo que o novo CPP entrou em vigor, o semanário Sol
publicou escutas do processo Portucale, em que o ministro Rui Pereira
discutia com o "centrista" Abel Pinheiro a substituição
ex-procurador-geral da República Souto Moura, e nada aconteceu ao
semanário. A abertura de um inquérito podia levar à fiscalização da
referida norma e à declaração da sua inconstitucionalidade, refere
Albuquerque, admitindo que ela esteja a ser usada apenas como
expediente para conter os órgãos de comunicação.De resto, o
professor da Universidade Católica sublinha que está em causa "aplicar
retroactivamente o segredo de justiça". "A partir do momento em que uma
coisa se torna pública, torna-se pública para toda a gente. O que quer
dizer que os jornalistas, que são veículo da informação, podem
publicá-la", argumenta. Luís de Sousa, académico que investiga
o fenómeno da corrupção, também põe a questão em termos de acesso à
informação, sustentando que se um cidadão pode consultar o processo e
ver as escutas, é difícil de conceber que os jornalistas não possam dar
a conhecê-las a quem não faz aquela consulta. O penalista de
Coimbra Costa Andrade também já escreveu que a referida norma "é
patentemente desproporcionada, não podendo reivindicar-se das
exigências de dignidade penal e de carência de tutela penal". Faria
Costa é da mesma Faculdade de Direito, mas está do outro lado da
barricada, nesta questão, ao defender a total proibição da publicação
de escutas. "Sou um defensor da liberdade de imprensa, mas ela tem que
estar condicionada por outros muros", afirma, privilegiando a protecção
de valores como a privacidade e a intimidade. Paulo Henriques,
docente de Direito, acrescenta mesmo que "há necessidade de criar
procedimentos que assegurem a destruição dos suportes [das escutas],
logo que o interesse que determinou esse recuo da reserva da vida
privada - a investigação criminal - esteja satisfeito". "Não o fazendo,
criamos uma situação de ameaça permanente de ofensas à reserva da vida
privada". "Aquilo que se está a fazer é um julgamento na praça pública.
O que é subverter o Estado de direito", conclui.Investigação na Internet é possível mas ainda muito complicadaEm
termos teóricos, para investigar um eventual crime, a descoberta da
identidade da pessoa que tornou públicas algumas escutas do processo
Apito Dourado ficou mais facilitada desde Outubro do ano passado, na
sequência da entrada em vigor da Lei do Cibercrime. É que, além
de instituir nova legislação com novos crimes, a legislação passou a
prever mecanismos de cooperação internacional que antes não existiam.
Assim, partindo do princípio de que, em crimes praticados na (ou
através da net) não existe competência territorial, as autoridades dos
vários países definem "redes de contacto" instantâneo entre polícias
para actuarem directamente na detecção de endereços de computador (IP),
apreensão de provas e congelamento de dados de tráfego em suportes
informáticos e na Internet. O único problema é que, neste momento, o
regime está em vigor em apenas pouco mais do que 20 países, estando
prevista para breve o alargamento para 46, mediante a adesão a uma
convenção mundial existente desde 2001. Do rol dos países já aderentes
estão os Estados Unidos, onde estão alojados os servidores do sítio
"YouTube". É esta empresa que detém a informação crucial para a
identificação de quem colocou tais escutas na Internet. Mas pode vir a
nunca descobrir-se o autor de tal publicação, se esta tiver sido
efectuada através de um país não aderente à convenção internacional de
combate ao cibercrime. Para já, existe pelo menos uma queixa de Pinto
da Costa e foi determinada a abertura de inquérito pela
Procuradoria-Geral da República.