Oh la la, ooh aah, pfff e por aí fora. Os franceses são os reis das
expressões onomatopaicas. Quando Jean-Pierre Papin
aterrou no aeroporto de Malpensa, depois de trocar o Marselha
pelo Milan, a imprensa italiana
confrontou-o com perguntas e mais perguntas. O goleador, do alto da sua
competência e reconhecido mérito internacional pelos golos em França,
respondeu evasivamente, sem sentido. Pffff, bof bof, tsssss, bom bom.
Tinha o rei na barriga. Mas o Milan não era o seu Marselha.
Em Milão havia pelo menos 13 jogadores mais
importantes que ele, como Tassotti, Baresi, Costacurta, Maldini,
Donadoni, Albertini, Desailly, Boban, Savicevic, Laudrup, Rijkaard, Van
Basten e Gullit e o pobre do JPP começou a
falar decentemente, sem expressões onomatopaicas em excesso. E assim se
fez gente.
Serve este exemplo para caracterizar as 200 pessoas
que acompanharam o i no Teatro Marigny,
no coração de Paris, entre o Museu do Louvre
e o Arco do Triunfo, com a Torre Eiffel
à espreita, lá ao fundo, no outro lado do rio Sena.
Quando as luzes se apagam e o pano sobe, há uma série de irritantes
oooooh, pffff pffff, aaaah. E eis que aparece o dono da bola. Sem a bola
nem a gola levantada, a sua imagem de marca em Manchester.
Ele, com letra maiúscula mesmo no meio de uma frase, é um deus em
França e chama-se Éric Cantona. Quinze anos depois de
abandonar a selecção francesa, à conta daquele pontapé de kung-fu a um
adepto durante um Crystal Palace-Manchester United, o
ex-futebolista volta a ser actor principal, agora na peça de teatro
"Face au Paradis" (De Frente para o Paraíso), dirigido pela sua mulher,
Rachida Brakni.
Durante 90 minutos, sem intervalo, Cantona,
43 anos, dribla a plateia sem sair do mesmo sítio. Éric é Max, um homem
moribundo que passa o tempo prostrado numa pilha de escombros no seu
supermercado, depois de um tremor de terra. Está ferido numa perna, não
se aguenta em pé, fuma seis cigarros e bebe seis goles de uísque
enquanto ensaia um diálogo com Loránt Deutsch, um jovem
mais móvel que está do outro lado do palco, ambos separados por uma
parede em situação periclitante. Durante hora e meia, os dois trocam
ideias, com Max (Cantona) a assumir o protagonismo, tanto mais
não fosse pelo seu aspecto. A dois metros de distância é que se
vê que é um touro, que facilmente se impõe pela presença física. A
sua voz também assusta pelo tom grave, profundo, intenso e mandão,
mesmo quando a situação sugere uma resposta delicada. Os
actores estão presos naquele buraco, do qual o público também se torna
prisioneiro, e vão abrindo os seus corações para desvendar sonhos e
amores. É aí que Max quer reconquistar a mulher dos
seus sonhos e com ela abrir um hotel com vista para o oceano: face au
paradis. O sonho morre, porque a terra abana outra vez e a parede esmaga
Max. É o au revoir. Para Max, sim. Para Cantona é o
início de uma carreira a solo, já que os críticos parisienses de
teatro, quase sempre ferozes, aplaudiram a profundidade da personagem
de Cantona. O público, esse, delirou. Ppffff, Mon Dieu!
A
peça de teatro com Cantona está em exibição até 8 de Maio e cada
bilhete custa 49 euros