Paulo Bento viu ao vivo o Barcelona-Sevilha, dá palestras e joga futsal.
O que faz um técnico quando não tem equipa
As declarações dos presidentes são um semáforo para os treinadores. Ouviu
"Vai começar um novo projecto e outra era"? Avance com o trabalho, o
sinal está verde. Leu que "merece um voto de
confiança"? Cuidado com o presente e o futuro, está mais amarelo. Viu
lenços brancos e um curto e seco "Algo vai ter de mudar"? Cuidado -
está a cair para a zona vermelha. A porta da saída está a um pequeno
passo. E chega-se ao cruzamento mais indesejado: a rescisão de contrato.
Um cruzamento que, mais do que nunca, tem atropelado. O que fazer a
partir daí? Seguir a máxima das passagens de nível: pare, escute
e olhe. Só assim se segue em frente para conduzir um novo projecto.
O
Sporting volta a defrontar hoje o Marítimo.
Em casa, na primeira volta, foi esse o último jogo de Paulo
Bento, um dos exemplos mais mediáticos. De manhã, o antigo
técnico continua a ler os jornais enquanto toma o pequeno-almoço, mas o
momento seguinte do dia já não envolve balneários nem jogadores. Aliás,
desde 6 de Novembro que o treinador só viu um jogo ao vivo: o Barcelona-Sevilha.
O que faz então quem esteve ligado ao futebol sem interrupções
nos últimos 21 anos? Dá palestras, participa em colóquios -
sobretudo ligados ao futebol de formação e à passagem dos juniores para
os seniores -, faz alguns jogos de futsal entre amigos para manter a
forma, está mais tempo com a família e vê mais futebol na televisão.
Muito mais do que quando estava no activo. E não é o único.
PARE
Rogério Gonçalves regressou a Viana do Castelo. "No
início, só quis descansar, afastar-me e dar tempo à família. É a melhor
receita", explica o técnico despedido à 7.ª jornada pela Académica. Foi a
mulher (professora) e os filhos que funcionaram como bálsamo para
superar a chicotada, mas a ferida não demorou a sarar. "Vejo
jogos em Portugal e em Espanha, desloco-me a Vigo ou à Corunha.
Também vi outras partidas de equipas espanholas com portugueses, pela
amizade que tenho com alguns. O que aprendi? Muito. Até os pormenores
ajudam". Quais? "Não copio mas tento estar atento a tudo no futebol, até
porque já existe muita informação na internet. Tanto vejo a forma como
clubes de dimensão mundial treinam como analiso equipas de menor
estatuto nas bolas paradas. Depois faço a análise ao que realizei, ao
que podia ter feito para não errar... Aproveito este período para tentar
melhorar."
Este ano, ao contrário do habitual, acabou por não ir
ao Brasil observar jogos dos campeonatos estaduais mas, também por
isso, teve mais tempo para participar em colóquios e palestras
regionais: "É algo que me dá muito prazer".
ESCUTE
Para Carlos Azenha, que saiu do V. Setúbal à quarta ronda, "o
futebol é só uma paixão". "Como tenho a vida organizada com os
health clubs e o negócio da construção, ganho outros olhos para encarar
este período", comenta. Envolvido no projecto de construção da Casa do
Futuro 2 - "que ocupa muitas horas" -, conseguiu orientar o tempo para
superar uma das lacunas que sentiu no Sado: o recrutamento de jogadores.
"Estive três semanas nisso porque não havia dinheiro. Nesta fase,
viajei pela Europa, estive um mês e meio no Brasil e ainda passei pela
Argentina". Mas as milhas que acumulou também serviram para aperfeiçoar
novas metodologias de treino: "Estagiei na Holanda, onde estive
em contacto permanente com treinadores que, na minha óptica, podiam
acrescentar alguma coisa. E só dessa forma é que se pode perceber a
essência do trabalho feito."
Nota-se que a rescisão com
os sadinos não está ultrapassada - "não se pode culpar um treinador
assim, logo à quarta jornada, mas aprendi a defender-me mais" -, mas "a
vida não se restringe ao futebol, há muito mais". "Não sou de falar com
presidentes e tenho orgulho de três coisas: das propostas de estágio que
recebi quando estava no V. Setúbal; da forma como, ainda hoje,
os jogadores reconhecem os meus métodos de trabalho; e de ter sido
convidado para treinar quatro equipas já depois da saída, uma da
primeira divisão e outra do estrangeiro."
Assim, entre
jogos que vê por prazer, palestras e melhoramento de métodos, tenta ser
um exemplo para o filho: "A seguir ao 8-1 na Luz não foi fácil... Mas
aprendemos uma lição. Estive um ano como comentador na RTP e
todo o dinheiro foi para instituições de solidariedade.
E todos os anos agarro em alguns brinquedos lá de casa e vou com o meu
filho dá-los a crianças necessitadas. Nunca vou mudar a minha
postura ou carácter. Lá está, há uma vida extra futebol..."
OLHE
João Carlos Pereira abandonou o comando do Belenenses à 14.ª
jornada e espera abraçar um novo projecto em breve. Pelo meio,
foi aprender com o último guru do futebol moderno: Pep
Guardiola. "Já tinha estado no Barcelona com Rijkaard e repeti a
experiência. Comecei com o futebol juvenil, falei com responsáveis do
clube, elementos da equipa técnica principal, houve apresentações de
Powerpoint e vídeo e estive com Guardiola. É inteligente, com capacidade
de liderança interessante e um catalisador de tudo o que há de bom no
clube", refere, completando: "À volta da face visível que é o
rendimento da equipa há muitas coisas: a cultura do clube, a capacidade
do plantel, as ideias do treinador. O actual Barça é o reflexo de tudo
isso."
Agora, aguarda por um projecto nesses moldes, "onde exista
uma estrutura bem montada, recursos válidos e todos acreditem na
hipótese de sucesso de forma sustentada". Enquanto não chega, vai-se
aperfeiçoando. "Há mais tempo para a vida social, família e amigos. E,
não tendo pressão competitiva, pode-se reformular algumas coisas,
reflectir sobre os trabalhos passados, ler e estreitar contactos com as
pessoas ligadas ao futebol. Se vejo jogos? Claro: da Europa, do Brasil,
da Argentina... E também vou a Espanha. Qualquer técnico tem de estar
atento a tudo. Num jogo, além dos jogadores em si e das suas valências,
há organizações e dinâmicas que ajudam", ressalva.
O que faz um técnico quando não tem equipa
As declarações dos presidentes são um semáforo para os treinadores. Ouviu
"Vai começar um novo projecto e outra era"? Avance com o trabalho, o
sinal está verde. Leu que "merece um voto de
confiança"? Cuidado com o presente e o futuro, está mais amarelo. Viu
lenços brancos e um curto e seco "Algo vai ter de mudar"? Cuidado -
está a cair para a zona vermelha. A porta da saída está a um pequeno
passo. E chega-se ao cruzamento mais indesejado: a rescisão de contrato.
Um cruzamento que, mais do que nunca, tem atropelado. O que fazer a
partir daí? Seguir a máxima das passagens de nível: pare, escute
e olhe. Só assim se segue em frente para conduzir um novo projecto.
O
Sporting volta a defrontar hoje o Marítimo.
Em casa, na primeira volta, foi esse o último jogo de Paulo
Bento, um dos exemplos mais mediáticos. De manhã, o antigo
técnico continua a ler os jornais enquanto toma o pequeno-almoço, mas o
momento seguinte do dia já não envolve balneários nem jogadores. Aliás,
desde 6 de Novembro que o treinador só viu um jogo ao vivo: o Barcelona-Sevilha.
O que faz então quem esteve ligado ao futebol sem interrupções
nos últimos 21 anos? Dá palestras, participa em colóquios -
sobretudo ligados ao futebol de formação e à passagem dos juniores para
os seniores -, faz alguns jogos de futsal entre amigos para manter a
forma, está mais tempo com a família e vê mais futebol na televisão.
Muito mais do que quando estava no activo. E não é o único.
PARE
Rogério Gonçalves regressou a Viana do Castelo. "No
início, só quis descansar, afastar-me e dar tempo à família. É a melhor
receita", explica o técnico despedido à 7.ª jornada pela Académica. Foi a
mulher (professora) e os filhos que funcionaram como bálsamo para
superar a chicotada, mas a ferida não demorou a sarar. "Vejo
jogos em Portugal e em Espanha, desloco-me a Vigo ou à Corunha.
Também vi outras partidas de equipas espanholas com portugueses, pela
amizade que tenho com alguns. O que aprendi? Muito. Até os pormenores
ajudam". Quais? "Não copio mas tento estar atento a tudo no futebol, até
porque já existe muita informação na internet. Tanto vejo a forma como
clubes de dimensão mundial treinam como analiso equipas de menor
estatuto nas bolas paradas. Depois faço a análise ao que realizei, ao
que podia ter feito para não errar... Aproveito este período para tentar
melhorar."
Este ano, ao contrário do habitual, acabou por não ir
ao Brasil observar jogos dos campeonatos estaduais mas, também por
isso, teve mais tempo para participar em colóquios e palestras
regionais: "É algo que me dá muito prazer".
ESCUTE
Para Carlos Azenha, que saiu do V. Setúbal à quarta ronda, "o
futebol é só uma paixão". "Como tenho a vida organizada com os
health clubs e o negócio da construção, ganho outros olhos para encarar
este período", comenta. Envolvido no projecto de construção da Casa do
Futuro 2 - "que ocupa muitas horas" -, conseguiu orientar o tempo para
superar uma das lacunas que sentiu no Sado: o recrutamento de jogadores.
"Estive três semanas nisso porque não havia dinheiro. Nesta fase,
viajei pela Europa, estive um mês e meio no Brasil e ainda passei pela
Argentina". Mas as milhas que acumulou também serviram para aperfeiçoar
novas metodologias de treino: "Estagiei na Holanda, onde estive
em contacto permanente com treinadores que, na minha óptica, podiam
acrescentar alguma coisa. E só dessa forma é que se pode perceber a
essência do trabalho feito."
Nota-se que a rescisão com
os sadinos não está ultrapassada - "não se pode culpar um treinador
assim, logo à quarta jornada, mas aprendi a defender-me mais" -, mas "a
vida não se restringe ao futebol, há muito mais". "Não sou de falar com
presidentes e tenho orgulho de três coisas: das propostas de estágio que
recebi quando estava no V. Setúbal; da forma como, ainda hoje,
os jogadores reconhecem os meus métodos de trabalho; e de ter sido
convidado para treinar quatro equipas já depois da saída, uma da
primeira divisão e outra do estrangeiro."
Assim, entre
jogos que vê por prazer, palestras e melhoramento de métodos, tenta ser
um exemplo para o filho: "A seguir ao 8-1 na Luz não foi fácil... Mas
aprendemos uma lição. Estive um ano como comentador na RTP e
todo o dinheiro foi para instituições de solidariedade.
E todos os anos agarro em alguns brinquedos lá de casa e vou com o meu
filho dá-los a crianças necessitadas. Nunca vou mudar a minha
postura ou carácter. Lá está, há uma vida extra futebol..."
OLHE
João Carlos Pereira abandonou o comando do Belenenses à 14.ª
jornada e espera abraçar um novo projecto em breve. Pelo meio,
foi aprender com o último guru do futebol moderno: Pep
Guardiola. "Já tinha estado no Barcelona com Rijkaard e repeti a
experiência. Comecei com o futebol juvenil, falei com responsáveis do
clube, elementos da equipa técnica principal, houve apresentações de
Powerpoint e vídeo e estive com Guardiola. É inteligente, com capacidade
de liderança interessante e um catalisador de tudo o que há de bom no
clube", refere, completando: "À volta da face visível que é o
rendimento da equipa há muitas coisas: a cultura do clube, a capacidade
do plantel, as ideias do treinador. O actual Barça é o reflexo de tudo
isso."
Agora, aguarda por um projecto nesses moldes, "onde exista
uma estrutura bem montada, recursos válidos e todos acreditem na
hipótese de sucesso de forma sustentada". Enquanto não chega, vai-se
aperfeiçoando. "Há mais tempo para a vida social, família e amigos. E,
não tendo pressão competitiva, pode-se reformular algumas coisas,
reflectir sobre os trabalhos passados, ler e estreitar contactos com as
pessoas ligadas ao futebol. Se vejo jogos? Claro: da Europa, do Brasil,
da Argentina... E também vou a Espanha. Qualquer técnico tem de estar
atento a tudo. Num jogo, além dos jogadores em si e das suas valências,
há organizações e dinâmicas que ajudam", ressalva.