Sim, Manuel Fernandes marcou quatro
golos numa tarde de fim de Outono e os 7-1 ganharam
lugar no dicionário do futebol português. É verdade, João
Pinto fez um hat trick e ofereceu o
título ao Benfica em 1994, pondo o 6-3 escrito
a bold no mesmo dicionário. E houve o Sabry. Mas tudo isso aconteceu em
Alvalade. Nos jogos do Estádio da Luz
- fosse o novo, o velho e até outros da pré-história futebolística - o i
seleccionou-lhe sete dérbis e sete histórias. Mais ou menos
conhecidos.
1948, 25 DE ABRIL Em 1947-48,
Peyroteo não conseguiu, pela primeira e única vez em 12 épocas, superar a
média de um golo por jogo ao longo de uma prova oficial. Adoentado, o
avançado esteve três meses sem jogar e só reapareceu em pleno na equipa
titular na segunda volta. Foi o suficiente para uma semi-revolução e
para o Sporting revalidar o título nacional, à custa do rival. No dia 25
de Abril de 1948, quando ainda não era feriado, o líder Benfica recebeu
o Sporting, nas Amoreiras, com dois pontos de avanço e vantagem no
confronto directo (3-1 no Lumiar), a primeira regra de desempate.
Cândido de Oliveira, técnico dos leões mas benfiquista confesso, foi
acusado por um dirigente do Sporting de estar a delinear uma táctica
suicida para entregar o título ao adversário, mas havia o factor
Peyroteo, que resolveu fazer (mais uma) exibição memorável. Com quatro
golos em 34 minutos, o Sporting goleou 4-1 e foi campeão.
1965,
17 DE OUTUBRO Domingo gordo em Lisboa. À tarde,
Benfica-Sporting, à noite, Belenenses-FC Porto. De folga até à hora do
jogo, Hernâni e Flávio Costa, capitão e treinador do FC Porto,
respectivamente, visitaram a Luz e deram por bem empregue o seu tempo.
Tratou-se de um dos clássicos mais emblemáticos de sempre, com um
triunfo inequívoco do Sporting ante um Benfica apático, a começar na
defesa, onde Melo, que substituiu o lesionado Costa Pereira, estava na
baliza. Foi o seu primeiro e último clássico. "O miúdo não teve culpa
nos golos do Sporting", defendeu o habitual titular, presente nas
bancadas. Na verdade, a culpa foi de um único homem: Lourenço. O
avançado marcou os quatro golos em 61 minutos e nunca deu razão aos
adeptos benfiquistas, que, de honra ferida, justificaram a tarde
gloriosa do rival com o facto de Melo ser pequeno.
1978,
12 DE FEVEREIRO De braços abertos, como um bailarino, Vítor
Baptista dominou a bola no peito, sem que Inácio pudesse fazer o que
quer que fosse, para depois disparar uma bomba indefensável ao ângulo
superior esquerdo de Botelho. Um golo total! O Benfica marcava o único
golo de mais um dérbi com o Sporting, mas a festa não foi total! "Os
colegas correram para me abraçar e quando o Cavungi o fez, o brinco
soltou-se e caiu na relva!", contou, na altura, Vítor Baptista, que
ainda passou três minutos e meio de pernas flectidas e com cara de mau, a
resmungar consigo mesmo. Ao seu lado, os companheiros ajudavam-no, sem
êxito. "Sempre gostei mais de ter perdido o brinco e ganho o jogo!
Ficava muito mais aborrecido se o Benfica não tivesse ganho... Veja lá, o
brinco custou-me 12 contos e o prémio de jogo é de oito. Perdi dinheiro
a trabalhar!"
1978, 19 DE NOVEMBRO O dérbi dos
5-0 ao intervalo deu nas vistas por motivos díspares. Afinal, cantou-se
o hino nacional antes do encontro e a RTP2 deu um resumo de 25 minutos,
o que não era nada habitual nesse tempo. Na verdade, esse período
bastava para explicar o jogo, já que os encarnados marcaram os cinco
golos entre o minuto 15 e o 40 da primeira parte, com bis de Reinaldo
(15' e 28') e Alves (30' e 40', este de grande penalidade), sobrando
para Nené (18') o outro remate certeiro, perante um Estádio da Luz
lotado, com a presença de 71 mil espectadores, incluindo o Presidente da
República, Ramalho Eanes, conceituado portista, o que rendeu 10 mil
contos ao Benfica. Até deu para John Mortimore substituir os
guarda-redes aos 82 minutos, com a saída de Bento e a entrada de José
Henrique, o popular Zé Gato. No outro lado, a fina ironia de Botelho,
guarda-redes leão. "Era impossível defender aquelas bolas. Só se fosse a
do Alves, na marcação da grande penalidade."
1983, 29 DE
MAIO O Benfica já entrara em festa há uma semana, com a
vitória em Portimão (1-0, de Carlos Manuel aos 85') que garantira o
título de campeão nacional 1982-83. Na 29.ª e penúltima ronda da
primeira divisão (29 de Maio de 1983), Chalana deu início à festa
encarnada logo aos nove minutos, com um belo golo, em que passou por
Kikas e Meszaros. Aos 35', penálti contra o Sporting, por falta de
Meszaros sobre o irrequieto Chalana, sempre ele! No Benfica, não havia
uma política rígida para os marcadores de penáltis: já fora Nené,
Humberto Coelho e Diamantino. Desta vez, Bento chegou-se à frente. O
herói Chalana lembra-se desse momento. "O Bento quis marcar o penálti e
pediu autorização ao capitão, Humberto Coelho. Mas Meszaros defendeu o
penálti. Julga que o Bento ficou desmoralizado? Nada disso. A três
minutos do fim, defendeu um penálti de Jordão e garantiu a vitória
[1-0]. O Bento era o maior!"
1986, 13 DE ABRIL
Lembra-se da vitória portista em Viena com golo de Madjer de calcanhar e
mais um de Juary numa entrada de rompante a deixar atónitos os
jogadores e adeptos do Bayern? Mas o que é que isso, que se passou a 27
de Maio de 1987, tem a ver com o dérbi mais importante do país, que não
inclui nenhum clube de azul-e-branco? É que o arranque da vitoriosa
campanha europeia do dragão, culminada com a conquista da Taça dos
Campeões Europeus, em Maio de 1987, foi neste jogo entre águias e leões.
É domingo e joga-se a penúltima jornada do Nacional da 1.a divisão. O
Benfica, líder com dois pontos de avanço sobre o FC Porto, tropeça (1-2)
em casa com o rival Sporting e é ultrapassado pelos portistas (vantagem
no confronto directo), vitoriosos em Setúbal, com um magnífico golo de
Futre, após contra-ataque lançado pelo guarda-redes polaco Mlynarczyk.
Na derradeira jornada, o FC Porto confirma o título frente ao lanterna
vermelha Covilhã (4-2, com 2-2 aos 64 minutos). Antes do dérbi, é o
próprio Carlos Manuel quem reconhece um certo desprezo pelo Sporting,
"talvez a avaliar pelo último jogo que terminou 5-0 na Luz, para os
quartos-de-final da Taça", a 12 de Março de 1986. "Fomos um pouco
culpados, porque julgávamos que já tínhamos ganho. Obviamente que o
Sporting era um adversário de respeito, mas pensávamos que estava tudo
resolvido e entrámos de peito aberto. Foi um dia para esquecer." O jogo
começou mal para o Benfica, que sofreu dois golos em 11 minutos, por
Morato (11') e Manuel Fernandes (22'), e não se recompôs, nem com o
cabeceamento de Manniche (1-2, 60').
2005, 14 DE MAIO
Há muito que no país não se via uma ansiedade assim por um dérbi. Em
2004-05, na penúltima jornada da Liga, o Sporting foi à Luz para
defender a liderança e falhou o objectivo, quatro meses depois de ter
sido eliminado pelo Benfica na Taça de Portugal, num 3-3 após
prolongamento e penáltis. Nesse 14 de Maio de 2005 (exactamente 11 anos
depois dos 6-3 em Alvalade), ao Sporting bastava um empate e ao Benfica
só a vitória interessava. E ela apareceu aos 84', por Luisão,
beneficiando de uma saída em falso de Ricardo, que ainda hoje é o único
ser humano a reclamar mão do central brasileiro. Eventualmente, a única
queixa possível do lado leonino é a de que não houve falta que
justificasse o livre de que resultou o go1o, mas Paulo Paraty apitou-a.
Sete
histórias de dérbis só na Liga. Hoje pode escrever-se mais uma.
golos numa tarde de fim de Outono e os 7-1 ganharam
lugar no dicionário do futebol português. É verdade, João
Pinto fez um hat trick e ofereceu o
título ao Benfica em 1994, pondo o 6-3 escrito
a bold no mesmo dicionário. E houve o Sabry. Mas tudo isso aconteceu em
Alvalade. Nos jogos do Estádio da Luz
- fosse o novo, o velho e até outros da pré-história futebolística - o i
seleccionou-lhe sete dérbis e sete histórias. Mais ou menos
conhecidos.
1948, 25 DE ABRIL Em 1947-48,
Peyroteo não conseguiu, pela primeira e única vez em 12 épocas, superar a
média de um golo por jogo ao longo de uma prova oficial. Adoentado, o
avançado esteve três meses sem jogar e só reapareceu em pleno na equipa
titular na segunda volta. Foi o suficiente para uma semi-revolução e
para o Sporting revalidar o título nacional, à custa do rival. No dia 25
de Abril de 1948, quando ainda não era feriado, o líder Benfica recebeu
o Sporting, nas Amoreiras, com dois pontos de avanço e vantagem no
confronto directo (3-1 no Lumiar), a primeira regra de desempate.
Cândido de Oliveira, técnico dos leões mas benfiquista confesso, foi
acusado por um dirigente do Sporting de estar a delinear uma táctica
suicida para entregar o título ao adversário, mas havia o factor
Peyroteo, que resolveu fazer (mais uma) exibição memorável. Com quatro
golos em 34 minutos, o Sporting goleou 4-1 e foi campeão.
1965,
17 DE OUTUBRO Domingo gordo em Lisboa. À tarde,
Benfica-Sporting, à noite, Belenenses-FC Porto. De folga até à hora do
jogo, Hernâni e Flávio Costa, capitão e treinador do FC Porto,
respectivamente, visitaram a Luz e deram por bem empregue o seu tempo.
Tratou-se de um dos clássicos mais emblemáticos de sempre, com um
triunfo inequívoco do Sporting ante um Benfica apático, a começar na
defesa, onde Melo, que substituiu o lesionado Costa Pereira, estava na
baliza. Foi o seu primeiro e último clássico. "O miúdo não teve culpa
nos golos do Sporting", defendeu o habitual titular, presente nas
bancadas. Na verdade, a culpa foi de um único homem: Lourenço. O
avançado marcou os quatro golos em 61 minutos e nunca deu razão aos
adeptos benfiquistas, que, de honra ferida, justificaram a tarde
gloriosa do rival com o facto de Melo ser pequeno.
1978,
12 DE FEVEREIRO De braços abertos, como um bailarino, Vítor
Baptista dominou a bola no peito, sem que Inácio pudesse fazer o que
quer que fosse, para depois disparar uma bomba indefensável ao ângulo
superior esquerdo de Botelho. Um golo total! O Benfica marcava o único
golo de mais um dérbi com o Sporting, mas a festa não foi total! "Os
colegas correram para me abraçar e quando o Cavungi o fez, o brinco
soltou-se e caiu na relva!", contou, na altura, Vítor Baptista, que
ainda passou três minutos e meio de pernas flectidas e com cara de mau, a
resmungar consigo mesmo. Ao seu lado, os companheiros ajudavam-no, sem
êxito. "Sempre gostei mais de ter perdido o brinco e ganho o jogo!
Ficava muito mais aborrecido se o Benfica não tivesse ganho... Veja lá, o
brinco custou-me 12 contos e o prémio de jogo é de oito. Perdi dinheiro
a trabalhar!"
1978, 19 DE NOVEMBRO O dérbi dos
5-0 ao intervalo deu nas vistas por motivos díspares. Afinal, cantou-se
o hino nacional antes do encontro e a RTP2 deu um resumo de 25 minutos,
o que não era nada habitual nesse tempo. Na verdade, esse período
bastava para explicar o jogo, já que os encarnados marcaram os cinco
golos entre o minuto 15 e o 40 da primeira parte, com bis de Reinaldo
(15' e 28') e Alves (30' e 40', este de grande penalidade), sobrando
para Nené (18') o outro remate certeiro, perante um Estádio da Luz
lotado, com a presença de 71 mil espectadores, incluindo o Presidente da
República, Ramalho Eanes, conceituado portista, o que rendeu 10 mil
contos ao Benfica. Até deu para John Mortimore substituir os
guarda-redes aos 82 minutos, com a saída de Bento e a entrada de José
Henrique, o popular Zé Gato. No outro lado, a fina ironia de Botelho,
guarda-redes leão. "Era impossível defender aquelas bolas. Só se fosse a
do Alves, na marcação da grande penalidade."
1983, 29 DE
MAIO O Benfica já entrara em festa há uma semana, com a
vitória em Portimão (1-0, de Carlos Manuel aos 85') que garantira o
título de campeão nacional 1982-83. Na 29.ª e penúltima ronda da
primeira divisão (29 de Maio de 1983), Chalana deu início à festa
encarnada logo aos nove minutos, com um belo golo, em que passou por
Kikas e Meszaros. Aos 35', penálti contra o Sporting, por falta de
Meszaros sobre o irrequieto Chalana, sempre ele! No Benfica, não havia
uma política rígida para os marcadores de penáltis: já fora Nené,
Humberto Coelho e Diamantino. Desta vez, Bento chegou-se à frente. O
herói Chalana lembra-se desse momento. "O Bento quis marcar o penálti e
pediu autorização ao capitão, Humberto Coelho. Mas Meszaros defendeu o
penálti. Julga que o Bento ficou desmoralizado? Nada disso. A três
minutos do fim, defendeu um penálti de Jordão e garantiu a vitória
[1-0]. O Bento era o maior!"
1986, 13 DE ABRIL
Lembra-se da vitória portista em Viena com golo de Madjer de calcanhar e
mais um de Juary numa entrada de rompante a deixar atónitos os
jogadores e adeptos do Bayern? Mas o que é que isso, que se passou a 27
de Maio de 1987, tem a ver com o dérbi mais importante do país, que não
inclui nenhum clube de azul-e-branco? É que o arranque da vitoriosa
campanha europeia do dragão, culminada com a conquista da Taça dos
Campeões Europeus, em Maio de 1987, foi neste jogo entre águias e leões.
É domingo e joga-se a penúltima jornada do Nacional da 1.a divisão. O
Benfica, líder com dois pontos de avanço sobre o FC Porto, tropeça (1-2)
em casa com o rival Sporting e é ultrapassado pelos portistas (vantagem
no confronto directo), vitoriosos em Setúbal, com um magnífico golo de
Futre, após contra-ataque lançado pelo guarda-redes polaco Mlynarczyk.
Na derradeira jornada, o FC Porto confirma o título frente ao lanterna
vermelha Covilhã (4-2, com 2-2 aos 64 minutos). Antes do dérbi, é o
próprio Carlos Manuel quem reconhece um certo desprezo pelo Sporting,
"talvez a avaliar pelo último jogo que terminou 5-0 na Luz, para os
quartos-de-final da Taça", a 12 de Março de 1986. "Fomos um pouco
culpados, porque julgávamos que já tínhamos ganho. Obviamente que o
Sporting era um adversário de respeito, mas pensávamos que estava tudo
resolvido e entrámos de peito aberto. Foi um dia para esquecer." O jogo
começou mal para o Benfica, que sofreu dois golos em 11 minutos, por
Morato (11') e Manuel Fernandes (22'), e não se recompôs, nem com o
cabeceamento de Manniche (1-2, 60').
2005, 14 DE MAIO
Há muito que no país não se via uma ansiedade assim por um dérbi. Em
2004-05, na penúltima jornada da Liga, o Sporting foi à Luz para
defender a liderança e falhou o objectivo, quatro meses depois de ter
sido eliminado pelo Benfica na Taça de Portugal, num 3-3 após
prolongamento e penáltis. Nesse 14 de Maio de 2005 (exactamente 11 anos
depois dos 6-3 em Alvalade), ao Sporting bastava um empate e ao Benfica
só a vitória interessava. E ela apareceu aos 84', por Luisão,
beneficiando de uma saída em falso de Ricardo, que ainda hoje é o único
ser humano a reclamar mão do central brasileiro. Eventualmente, a única
queixa possível do lado leonino é a de que não houve falta que
justificasse o livre de que resultou o go1o, mas Paulo Paraty apitou-a.
Sete
histórias de dérbis só na Liga. Hoje pode escrever-se mais uma.