Vizinhos do homem, de 45 anos, que em Maio do ano passado estrangulou a própria filha com o cinto do roupão pedem pena máxima
Foi
há pouco mais de meio ano, parece que foi ontem, que há coisas nas
quais o tempo não interfere, não ajuda a digerir a melhor. Em
S. Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, onde em Maio do ano
passado um pai roubou a vida à filha única de sete anos, ninguém
ensaiou o refrão, mas ele repete-se diariamente como um desejo de
justiça: "Prisão perpétua". Assim, sem atenuante nem perdão nem
qualquer tipo de condescendência. "Quem ama não mata", soa novo refrão
na rua para anular o argumento do progenitor de que a morte terá sido
"acto de amor"."Não foi", ajuíza, a custo, João Reis, homem de
62 anos, que carrega no olhar a perda da neta que não era de sangue,
mas de um lugar mais importante - "do coração". Proprietário do café
que fica no rés-do-chão do prédio onde a vida da pequena Maria João,
"menina franzina, linda, maravilhosa", foi ceifada com o cinto de um
roupão amarrado ao pescoço, guarda na memória o último dia de vida da
criança - terá sido provavelmente o último a vê-la -, mas também os
seus últimos cinco anos. "É difícil falar, vem uma angústia à
garganta...", tenta explicar, a voz falhar, ele a tentar outra vez
naquele sotaque brasileiro que adoptou aos 15 anos quando emigrou para
o Brasil, "país que dizem ser de crime", mas onde nunca sentiu crime
igual. "A menina ficava aqui quando vinha da escola, tantas vezes a fui
levar e buscar. Chegou aqui ainda bebé, pequenina, vi-a crescer",
inspira fundo. O senhor João tem sete netos, ela era igual, "era nossa
neta". Dele e da mulher, Maria de Deus, mulher que lhe deu quatro
filhos. "Adoptámos um, não faz diferença, são todos iguais. Por isso,
não consigo entender como pode alguém fazer aquilo a um filho. Não
posso entender", insiste, as mãos irrequietas, os gestos nervosos
perdidos no vazio deixado por aquela menina que lhe valeu "tantas
noites, incrédula, sem dormir"."Sabe o que dói mais?", atira uma
vizinha. "Dói lembrar a cumplicidade entre aquele pai e aquela filha.
Ela sempre agarrada ao pescoço dele, ela sempre com uma alegria a
encher a boca de cada vez que falava nele, ele sempre atencioso,
parecia incapaz de lhe dar um estalo, quanto mais de fazer o que fez".
O exercício desta memória é obtido por especial favor - e é anónimo.
Quem tem filhos da idade da Maria João não dá a cara nem o nome. É como
se não falar abertamente sobre o assunto os ilibasse de explicar em
casa o que não tem explicação. "Como se explica a um filho pequeno que
a pessoa que eles mais amam, em quem mais confiam, os pode matar?",
questiona uma mãe. Não explica. "Queríamos esquecer, se fosse possível
esquecer. Mas não há um único dia em que o assunto não seja assunto. É
impossível esquecer", repete, a cabeça a dançar em negação entre a
esquerda e a direita. Basta, para isso, que a mãe da menina apareça
ali. A mãe que sempre foi correcta com o pai, que nunca o privou da
companhia da filha depois da separação de ambos, que nunca lhe doseou
as visitas e que, por isso mesmo, quando ele lhe pediu uma semana
inteira - aquela semana -, aceitou, cedeu, concordou. "Vê-la agora dá
um aperto no coração". Nada para esta população poderá
desculpar o acto "cobarde e vingativo", daquele pai "que parecia tão
calmo, tão inteligente", aquele homem, João Pinto, 45 anos, gestor, que
"matou a filha, inocente, por não suportar que a mulher o tivesse
deixado".Como pena, a prisão sabe-lhes a pouco. "É o único lugar
seguro para ele. Se estivesse cá fora, já teria morrido. Pelas nossas
mãos", assegura outra vizinha. Nessa impossibilidade, diz, eco do que
todos desejam, "que a prisão seja perpétua. Para ser justa. E, se ele
tiver coragem, que se mate."
Foi
há pouco mais de meio ano, parece que foi ontem, que há coisas nas
quais o tempo não interfere, não ajuda a digerir a melhor. Em
S. Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, onde em Maio do ano
passado um pai roubou a vida à filha única de sete anos, ninguém
ensaiou o refrão, mas ele repete-se diariamente como um desejo de
justiça: "Prisão perpétua". Assim, sem atenuante nem perdão nem
qualquer tipo de condescendência. "Quem ama não mata", soa novo refrão
na rua para anular o argumento do progenitor de que a morte terá sido
"acto de amor"."Não foi", ajuíza, a custo, João Reis, homem de
62 anos, que carrega no olhar a perda da neta que não era de sangue,
mas de um lugar mais importante - "do coração". Proprietário do café
que fica no rés-do-chão do prédio onde a vida da pequena Maria João,
"menina franzina, linda, maravilhosa", foi ceifada com o cinto de um
roupão amarrado ao pescoço, guarda na memória o último dia de vida da
criança - terá sido provavelmente o último a vê-la -, mas também os
seus últimos cinco anos. "É difícil falar, vem uma angústia à
garganta...", tenta explicar, a voz falhar, ele a tentar outra vez
naquele sotaque brasileiro que adoptou aos 15 anos quando emigrou para
o Brasil, "país que dizem ser de crime", mas onde nunca sentiu crime
igual. "A menina ficava aqui quando vinha da escola, tantas vezes a fui
levar e buscar. Chegou aqui ainda bebé, pequenina, vi-a crescer",
inspira fundo. O senhor João tem sete netos, ela era igual, "era nossa
neta". Dele e da mulher, Maria de Deus, mulher que lhe deu quatro
filhos. "Adoptámos um, não faz diferença, são todos iguais. Por isso,
não consigo entender como pode alguém fazer aquilo a um filho. Não
posso entender", insiste, as mãos irrequietas, os gestos nervosos
perdidos no vazio deixado por aquela menina que lhe valeu "tantas
noites, incrédula, sem dormir"."Sabe o que dói mais?", atira uma
vizinha. "Dói lembrar a cumplicidade entre aquele pai e aquela filha.
Ela sempre agarrada ao pescoço dele, ela sempre com uma alegria a
encher a boca de cada vez que falava nele, ele sempre atencioso,
parecia incapaz de lhe dar um estalo, quanto mais de fazer o que fez".
O exercício desta memória é obtido por especial favor - e é anónimo.
Quem tem filhos da idade da Maria João não dá a cara nem o nome. É como
se não falar abertamente sobre o assunto os ilibasse de explicar em
casa o que não tem explicação. "Como se explica a um filho pequeno que
a pessoa que eles mais amam, em quem mais confiam, os pode matar?",
questiona uma mãe. Não explica. "Queríamos esquecer, se fosse possível
esquecer. Mas não há um único dia em que o assunto não seja assunto. É
impossível esquecer", repete, a cabeça a dançar em negação entre a
esquerda e a direita. Basta, para isso, que a mãe da menina apareça
ali. A mãe que sempre foi correcta com o pai, que nunca o privou da
companhia da filha depois da separação de ambos, que nunca lhe doseou
as visitas e que, por isso mesmo, quando ele lhe pediu uma semana
inteira - aquela semana -, aceitou, cedeu, concordou. "Vê-la agora dá
um aperto no coração". Nada para esta população poderá
desculpar o acto "cobarde e vingativo", daquele pai "que parecia tão
calmo, tão inteligente", aquele homem, João Pinto, 45 anos, gestor, que
"matou a filha, inocente, por não suportar que a mulher o tivesse
deixado".Como pena, a prisão sabe-lhes a pouco. "É o único lugar
seguro para ele. Se estivesse cá fora, já teria morrido. Pelas nossas
mãos", assegura outra vizinha. Nessa impossibilidade, diz, eco do que
todos desejam, "que a prisão seja perpétua. Para ser justa. E, se ele
tiver coragem, que se mate."